Por Rodrigo Cury
Ativismo e resiliência podem definir bem a trajetória de uma década da Vampire Häus, que prepara uma super edição para acontecer neste sábado, dia 24 de agosto na Fábrica de Vampiras, local inédito na Barra Funda-SP. Criada em 2014 como espaço cultural LBTQIA+ independente e itinerante, a festa também teve papel importante ao dar início ao movimento de ocupar o centro de São Paulo quando realizava, durante boa parte desse ciclo, festas gratuitas que aconteciam na Praça Ramos de Azevedo, na região do Anhangabaú, um dos locais mais icônicos do centro da cidade.
Em turnê inicial prevista para durar 20 dias tocando pela Europa mas que acabou se estendendo por quatro meses com passagens por Los Angeles e cidades da China, Japão e Hong Kong, Suzana conta nas linhas abaixo como está sendo dar conta de todo esse corre de tocar em lugares inéditos e inimagináveis ao mesmo tempo em que organiza a Vampire Häus enquanto está do outro lado do mundo e com fuso horário de 12 horas de diferença.
House Mag: Que demais essas suas gigs e poder levar o seu som e bandeira que carrega para esses lugares todos tão excêntricos. Como está sendo toda essa troca e como surgiu a tour?
Suzana em Tóquio indo durante as gigs. Crédito: Divulgação
Suzana: O mais incrível da tour é poder sentir e vivenciar uma cena alternativa muito forte no mundo todo que está fora desse circuito europeu do techno e do hard techno. Tem muita coisa rolando que a gente nem imagina, somos surpreendidos o tempo todo. O mais incrível é descobrir as cenas locais e entender as dinâmicas e expressões artísticas de cada lugar, fora que poder trocar música, comportamentos e estilos de vida também é muito enriquecedor.
A tour surgiu porque a Rebeca Warrior, me convidou para lançar uma track na coletânea RAINBOW WARRIOR, que ela está lançando pelo selo dela LA MAISON WARRIOR de Paris e por isso rolou de tocarmos três vezes juntas por cidades diferentes na França, depois consegui a data na Höer Berlim e então fui entrando em contato com os promoters, avisando onde eu iria estar e as coisas foram acontecendo, ou melhor: estão acontecendo até agora, rs.
No camarim Under Festival em Liepaja ( Latvia ). Crédito: Divulgação
House Mag: E Você tem alguém para te ajudar com a agenda, logística ou que dê algum tipo de suporte?
Suzana: Eu faço tudo, literalmente: tocar, divulgar as gigs, produzir música, preparar os sets e ainda ter que cuidar da logística inteira sozinha. Dependendo da gig, posso contar com o agente das labels, que foi como no caso da Maison Warrior e o caso das gigs da Asia pelo selo Raveagaintsthe machine. Eu estava na Europa decidida a passar um tempo e quando vi tinha agendando uma data na China em agosto, então precisava do visto para entrar no país mas não tinha planos de voltar ao Brasil. Foi o maior corre, mas deu certo, super em cima, mas rolou. É uma prova de resistência tocar e estar o tempo todo mudando de cidades e organizando a Vampire com um fuso horário de 12 horas, ainda mais porque eu quero aproveitar tudo, então fico até o fim das festas onde toco e ainda saio para conhecer os lugares. É tudo muito intenso porque você recebe muito e se dá muito.
House Mag: Mas nem tudo correu como planejado, certo?
Na real o principal perrengue dessa tour é você passar momentos muito mágicos de se conectar com as pessoas e com as cidades e às vezes criar vínculos tão intensos e em tão pouco tempo que uma hora você vê que precisa seguir em frente e precisa se despedir. Como disse, são momentos mágicos que de uma hora para outra se torna doloroso ter que lidar com isso. Na sequência, outras pessoas, outras cidades e novas conexões.
House Mag: E qual cidade e gig você mais curtiu?
Todos os lugares que fui eu amei, é muito louco isso. Todos eu falo que são meus preferidos, em cada lugar ou em cada gig tive algo que marcou.
House Mag: Respostas clichês não valem. Qual foi mesmo a sua cidade preferida?
Suzana: Voltar para a Ucrânia depois de 10 anos e com o país em guerra e mesmo assim ver os promoters fazendo festas, olhar o warehouse lotado, sirenes de aviso de bomba soando o tempo todo, inclusive durante o meu set. Fora a aventura para chegar porque não tem avião, então demorei 20 horas de ônibus para chegar em Kiev. Mas em outros locais da Europa com forte cena hard techno, como a Bélgica, é difícil colar nos rolês de hard techno porque as pessoas ficam se pisoteando na pista, então cada lugar tem suas peculiaridades. Também não posso deixar de incluir a festa da Lick n Dick em Los Angeles, onde toquei em 2 galpões ilegais para mais de duas mil pessoas e Tóquio, que um dos promoters viu um post meu que eu transformava meu lençol em bandeira da Vampire e, fez um lençol da Vampire igualzinho para me receber na festa. Esse carinho todo é inexplicável.
Tanque russo capturado na Ucrânia exposto em praça pública em Kiev. Crédito: Divulgação
House Mag: Você está conduzindo as sonoridades do Puta Vampiras para uma pegada cada vez mais hard techno, explique um pouco do projeto.
Suzana: A Putas Vampiras nasceu como um live com máquinas, então utilizo um set up bem vintage de hardware, com Roland 909, que é uma workstation dos anos 2000, um Micro Korg, um mini modular da República Tcheca e uma bateria analógica. O som totalmente autoral, muito inspirado nas bandas góticas dos anos 1980, como Sousie & The Banchees, Systers of Mercy, Small Deutchland, Alien Sex Fiend entre outras aliado a fúria do punk do final da década de 1970 que tento trazer para o techno, totalmente estilo faça você mesmo. Em long sets, considero tocar os vinis com as máquinas, fazendo um set híbrido entre live e mixagens. Depois da pandemia, ao passar um tempo sem comprar discos, migrei para a CDJ, mas agora que estou morando em Berlim vou reativar minha coleção de discos. Ao mesmo tempo, incorporo muito um tom sexy e divertido, que visivelmente você percebe que vem de um lugar queer, feito por uma pessoa lésbica e não binária.
House Mag: A Vampire Häus está completando 10 anos e prepara uma super edição. Conte como começou a festa e as novidades que o público pode aguardar.
Suzana: A Vampire começou na sala de casa no estilo Boiler Room para os amigos e fomos para a Praça Ramos que sempre foi a nossa casa, com a ideia de trazer o techno para ressignificar os espaços públicos e proporcionar essa beleza no caos, tirar nossos corpos dissidentes do escondido e revela-los em destaque em locais históricos tão ricos da nossa cidade. A festa busca quebrar padrões existenciais como um espaço queer pensado para ser seguro, artístico, de inspiração, de expressão e ebulição pessoal, onde as pessoas podem ser quem elas são sem se preocupar com a existência de padrões e vamos celebrar exatamente isso, esses 10 de vários acontecimentos que é muita resistência.
House Mag: Você está trazendo uma atração inédita para São Paulo, a Metaraph, do selo Bpitch Control, de Berlin. Conte o que o público pode esperar do line up como um todo e da sua apresentação.
Suzana: Esperamos a tradicional rave VAMPIRE HAUS, techno sem dó nem piedade do início ao fim, com explosão, arte, ousadia, bumbos brutais, FIREEEEEEEEE e sensibilidade. Um line muito potente de artistas locais e residentes que vão dar o ritmo vampiresco da noite, acompanhados de corpos espetáculos delirantes no front e no palco com muita arte e muita entrega vinda dos artistas visuais e (a)mar de vampiras. Será a melhor e a mais caprichada edição da VAMPIRE HAUS até agora, onde, para o delírio das vampiras, um line up dos sonhos em que 95% dos artistas são LGBTQia+++ incluindo o artista internacional. Da minha apresentação quero mostrar o que levei pra gringa nesses últimos quatro meses e apresentar bombas autorais inéditas na pista da Vampire. Será um reecontro muito emocionante, vamos explodir São Paulo :)))