Rap e house music em perfeita harmonia: Young Clubber aka Febem nos conta sobre este ecossistema artístico e ideológico

De um lado, o rapper Febem, figura aclamada do hip-hop nacional que completa mais de uma década de trajetória, 6 álbuns lançados, relevância internacional na música e centenas de milhares de ouvintes mensais pelo globo nas plataformas de streaming. Do outro, o DJ Young Clubber, um dos nomes de maior ascensão no cenário independente nacional, com personalidade forte na House Music. Entre eles, está Felipe Silva, o nome por trás dessas duas personas.

A surpresa no rosto de quem descobre que ambos os personagens partem de uma mesma mente é bem comum, mas o que talvez surpreenda mais ainda, é descobrir que antes de nascer Febem, o Felipe DJ já existia e é onde ele inicia seus passos artísticos na música. 

Com referências eletrônicas que chegaram em sua vida já na infância, através do irmão e primo, Felipe se abastece de beats e samples desde os anos 90, consumindo diferentes culturas dos diversos locais onde morou no estado de São Paulo, conquistando uma bagagem impressionante que não apenas moldou sua identidade sonora, mas também o fez entender ao longo dos anos porque e como gostaria de participar do cenário. 

O crescimento meteórico de Febem em sua vida estacionou temporariamente a persona da discotecagem, mas quando sentiu o chamado para a retomada às suas origens na pista de dança, também entendeu que o retorno vinha com um segundo resgate: de valorização e devolução do estilo musical às raízes pretas, comunidade que criou e propagou a música eletrônica em sua base e viu, ao longo de décadas, seu embranquecimento e afastamento do real propósito. 

E é possível ver essa ideologia de forma cristalina em tudo o que carrega a assinatura de Young Clubber. Seja impressionando as pistas de dança com vocais clássicos da House Music mesclados com sons ácidos e quebrados que homenageiam nomes importantes para a história do gênero, ou atuando em comunidade junto à Tijolo Records, label que acredita em uma reconstrução da cena com os mesmos ideais de resgate, o artista vai conquistando cada vez mais seu espaço através de uma mensagem honesta e muito transparente do que acredita na música. 

Dentro da mente de Felipe Silva, Young Clubber e Febem caminham de mãos dadas, um influenciando o outro, por que não? Conversamos com ele rapidamente para saber mais detalhes sobre o caminho das suas personas musicais, influências, opinião sobre o cenário e mais. Confira!

House Mag – Da discotecagem para o Rap e de volta à discotecagem. Nem todos sabem que sua jornada enquanto DJ iniciou antes da carreira como rapper, certo? Conta um pouco pra gente desse seu caminho musical e o que inspirou sua retomada às cabines. 

Young Clubber – Comecei a discotecar entre 2007/2008, não lembro exatamente, em um grupo de amigos do bairro que gostava das mesmas coisas, sonhando e se divertindo. Um desses amigos comprou um par de cdj 100 e um mixer Numark dois canais e a coisa começou a ficar um pouco mais séria – esse amigo hoje em dia é um deejay super respeitado na cena, o Rafael Onid. Mas lembro que a música eletrônica entrou na minha casa nos anos 90. Meu irmão e meu primo fazia parte de uma tribo denominada “cyber manos”. Lembro de ganhar uma camiseta deles do The Prodigy, eu devia ter uns 10 anos e era isso. Prodigy, Altern 8, Orbital, muita coisa de jungle e DnB também e por aí vai… 

HM – Sendo um artista multifacetado musicalmente, imaginamos que você tenha um leque de referências sonoras ampliado. Como aconteceu a construção do que hoje ouvimos através do Young Clubber? Podemos dizer que hoje Febem e Young Clubber são inspiração um para o outro?

YC – Com certeza são. Acho que o Young Clubber trás o diferencial na hora do Febem escolher seus beats e estéticas e o Febem ensinou o Young Clubber sobre resistência, raízes, origens. Trouxe um propósito além de só discotecar.

HM – Você é um artista que carrega um propósito sonoro de resgate e valorização de gêneros e artistas da base da música eletrônica, dando ênfase ao que foi criado pela e para a comunidade negra, LGBTQIAPN+ e imigrantes, mas também encontramos flertes e encontros do estilo clássico da House Music com breakbeats e diferentes linhas de grave. Conte-nos um pouco sobre esse desejo de resgate, ele era cristalino desde seus primeiros contatos como DJ ou apareceu ao longo da sua experiência na pista de dança?

YC – Não, como disse acima, um completou o outro. Comecei entre 2007/2008 e parei em 2011 quando comecei a escrever rap. Posso ter começado a discotecar antes de fazer Rap, mas a cultura Hip-Hop está presente na minha vida desde praticamente o tempo que comecei a ter noção do que era gostar de música, inclusive sou cria de Centro Cultural que tinha muitas atividades de cultura Hip-Hop, que teve e ainda tem um força imensa na salvação dos jovens de periferia até hoje, então acho que isso que eu disse já resume um pouco sobre as raízes da minha construção em um deejay set. 

Quando parei, não entendia o porquê, mas hoje entendo: o desgaste e cansaço emocional devido ao embranquecimento e elitismo de mais um estilo musical que tem sua origem preta.

HM – A música eletrônica sofreu diversas transformações ao longo do tempo e hoje podemos dizer que vive um dos seus momentos mais apoteóticos em termos de alcance mundial, mas ao mesmo tempo, com um certo afastamento das suas origens. Qual a sua visão em relação ao cenário de pista de dança que vivemos hoje?

YC – Tá muito longe de um possível “equilíbrio”, mas acho que, no underground ao menos, isso tem mudado um pouco. Inclusive, no Brasil temos grandes nomes de representatividade forte hoje em dia viajando mundo afora, então é isso. Decidi também voltar a tocar por ter assistido o início dessa retomada e pensei “agora tá parecendo possível”. Faço parte de um coletivo (Tijolo Records) que também acredita nisso e aqui estamos, tijolo por tijolo a luta continua.

Por redação

Foto: Lucas Dias

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