Progressive House em alta no Brasil: Quais as origens do estilo? 

Junho de 1992, o então editor da principal revista especializada em música eletrônica da época resolve sair com quatro amigos para curtir mais uma noite na efervescente cena clubber do norte da Inglaterra. Ao chegar no clube, o que ele esperava ouvir com seus amigos era o Acid House americano que toda semana derretia a mente dos jovens que saiam das fabricas para curtir algumas horas de pista escura. Porém, desta vez, ele percebeu um estilo sonoro um pouco diferente no ar; músicas com camadas e acordes de maior profundidade, melodias e basslines dançantes. Ao voltar para a redação no dia seguinte e sentindo-se intrigado com o que havia ouvido, Dom Phillips resolve pesquisar mais sobre os produtores desse som.

Então, em uma tentativa de sintetizar diversas informações que havia descoberto, ele escreve um artigo sobre uma nova onda musical que emergia dentro de uma época de rápidas transformações pós queda do muro de Berlim. Dom não imaginava, mas com sua publicação intitulada ‘’Trance Mission’’, ele estaria selando uma nova era na dance music mundial. Suas palavras foram: 

‘’Há uma nova geração musical que é dura, porém tonal, batidas fortes, porém pensativa, edificante, um ‘’house trancey’’ que é capaz de encantar uma multidão de ravers. Mais uma vez é possível sair e ouvir música louca e melódica que faz você querer dançar. House progressivo vou chamá-lo, é simples, é funky, é impulsionador e só poderia ser britânico.’’

Em sua descrição do que parecia ser um novo som que bebia de várias fontes, ele acabou por batizar um novo estilo que mais tarde ganharia as pistas da Europa e do resto do mundo. 

’’Muito disso era música que Dave Wesson estava tocando em sua loja Zoom Records em Camden. Ele também revisou muitos discos interessantes ao redor desse estilo para o artigo da Mixmag. Eu estava tentando capturar a sensação de excitação que eu sentia quando entrevistava as pessoas que faziam esse som e tentei dar a ele algum contexto. Ter um termo tornou a música mais fácil de comercializar.’’ (trecho de entrevista que Dom concedeu ao blog Progressive House Classics em 2019).

Embora o termo ‘’progressivo’’ já tivesse sido usado nos anos 80 em Detroit para descrever estilos como Ítalo-Disco advindo dos sintetizadores de Georgio Moroder e também ‘’progressive dance’’ para descrever algumas bandas eletrônicas daquela década como The Orb e Bomb the Bass, o termo só foi se tornar realmente popular e ser reconhecido pelas gravadoras como um novo subgênero da house music após a menção de Dom, afinal ele era o cara da mixmag, e tudo que saia na revista era visto como bíblico. 

De acordo com Dave Seaman, um dos ingleses considerados pioneiros do estilo, o som enfrentou uma reação negativa no início porque “tinha seguido o mesmo caminho que o rock progressivo antes dele. Brilhante, sério e cheio de sua própria auto importância.’’ 

A faixa do duo inglês Leftfield lançada em outubro de 1990 intitulada “Not Forgotten”, é considerada por muitos como a primeira produção de progressive house da história. 

Outros produtores como DOP, Gat Decors, Slam, Spooky e React 2 Rhythm são vistos como os pioneiros do estúdio a criar músicas que foram importantes para a criação do termo. 

As gravadoras 23rd Precinct, Guerilla, Cowboy, Hooj Choons foram fundamentais nos primeiros anos. Depois, com o artigo de Phillips o termo rapidamente foi absorvido por gravadoras maiores como Renaissance e Global Underground, que o elevariam ao patamar de fenômeno clubber pelo mundo.

Como fizeram isso? Geoff Oakes, dono da Renaissance é sem dúvidas um dos pilares na disseminação do estilo, afinal ele teve a visão de convidar DJs que estavam em ascensão tocando esse novo som para criarem compilações mixadas pensadas especialmente para a indústria de vendas de CD’s. Assim, Oakes reuniu dois jovens DJs para criar a quatro mãos o primeiro álbum eletrônico pensado para ouvir em casa ou no carro. Intitulado ‘’The Mix Collection’’, o compilado tinha de um lado um fenômeno das pistas do norte e do outro um aspirante do sul dotado de uma técnica que impressionava todos, seus nomes? Sasha & John Digweed. 

A visão inovadora de mercado de Geoff, dono do club Renaissance (que se tornaria a label), ao colocar os dois lado a lado para criar esse mix, mais tarde seria compreendido como um ponto fundamental na elevação do progressive house ao patamar de som global. 

Depois, eles fizeram outras compilações projetando ainda mais o estilo, a exemplo de ‘’Northern Exposure’’ de 1996 e 1997. Esses mixes são vistos como a síntese perfeita do que estava se chamando de Progressive House, reunindo produtores desconhecidos e dando vida a uma comunidade de fãs realmente fieis. Para se ter noção dos números, esses álbuns há época vendiam mais de 100 mil copias só nas versões CD’s, sendo uma febre pós mix tapes, por terem muito mais qualidade e serem mais baratos que os discos de vinil, podendo serem colecionáveis, com capas e posters feitos esteticamente como as bandas de rock faziam. 

Ainda em junho de 1992, após o artigo de Dom, a Mixmag publicou uma lista que continha o que a revista considerava as principais faixas de progressive house da época.

Leftfield – “Not Forgotten” (Outer Rhythm)

Slam – “IBO/Eterna” (Soma Quality Recordings)

React 2 Rhythm – “Whatever You Dream” (Guerilla)

Soundclash Republic – EP Cool Lemon (Junk Rock Records)

DOP – EP Musicians of the Mind (Guerilla)

Gat Decor – “Passion” (Effective Records)

The Sandals – “A Profound Gas” (Acid Jazz)

Herbal Infusion – “The Hunter” (Zoom Records)

Smells Like Heaven – “Londres Strut” (Deconstruction)

Spooky – “Don’t Panic” (Guerilla)

Andronicus – “Make You Whole” (Hooj Choons)

Sublime – “Sublime (Breakdown)” (Limbo Records)

O progressive house acabou se tornando um som oposto das raves nos interiores da Inglaterra (techno e trance), que estavam sendo proibidas pelo alto consumo de drogas e não haver fiscalização. Com isso, o estilo obteve um grande benefício através de idealizadores da indústria fonográfica eletrônica que pensavam de forma mercadológica, o fazendo ser um som essencialmente para os clubes, sendo visto como o primeiro estilo underground que alcançou números equiparáveis as bandas de rock, fazendo seus DJs rapidamente se tornarem super estrelas.

‘’Progressive House é uma fusão, mas também é uma reação à extravagância cafona que caracteriza o pior das raves e o tédio solene de grandes partes do som Garage’’ (Dom Phillips, mixmag)

Da metade de 95 em diante, esses DJs ingleses passaram a tocar e espalhar esse som para todo o mundo, indo para Buenos Aires já nos anos 90 e depois para o Brasil nos anos 2000 em festivais como Skol Beats, Sirena, Warung, e outros eventos. 

Quando a DJ mag começou a publicar sua lista do top 100 DJs, tivemos artistas de progressive house nas primeiras posições desde os primeiros anos, Paul Oakenfold (que também tocava trance), em 1998 e 99, Sasha em 2000 e John Digweed em 2001. Somente depois chegaria a vez do trance se tornar trend global com seus pioneiros. Ainda assim, os artistas de progressive house se mantiveram como potência global, saindo dos clubes e chegando como headliners em festivais como Exit e Creamfields e até mesmo Love Parede em Berlim, capital do techno. 

A listagem da DJmag era como as pessoas se baseavam para saber quem estava no front da cena global. Isso ajudava a definir quem iria possuir residências nos maiores clubes de Ibiza e as agendas mais disputadas. Tudo isso até a popularização das redes socias e do facebook como plataforma capaz de apresentar outros milhares de artistas pelo mundo. 

Quem então foram os artistas pioneiros em levar o estilo para o mundo desde os anos 90? Além de Sasha & John, podemos colocar como primeiro escalão os nomes: Dave Seaman, Danny Howells, Nick Warren, Deep Dish, Darren Emerson (ex Underworld), Antonny Pappa, Hernan Cattaneo, Lee Burridge, Sander Kleinenberg, Satoshi Tomiie, Quivver, Timo Maas, James Holden, Desyn Masiello, entre outros. Outra geração muito importante veio em seguida a partir dos anos 2000, com nomes como Eric Prydz, 16 Bit Lolitas, John Creamer, Stephane K, Lexicon Avenue, Chab, James Zabiela, Guy Gerber, Guy J, Henry Saiz, Ricky Ryan, Martin Garcia, D-Nox & Beckers, e muitos outros. 

 ‘’I Wish You Were Here’’ foi um dos maiores clássicos dos anos 2000 dentro do PH. 

A partir de 2010, acontece um dos grandes choques que a cena eletrônica já viu, uma quebra de paradigma que iria mudar drasticamente a cena. Se tratava da elevação de um estilo que veio se transformando a partir de 2005, com produções de artistas Eric Prydz, Dirth South e Deadmau5 passando a fundir elementos do eletro house com progressivo um pouco mais lento. Percebemos a mudança de um estilo mais melodic house comercial, com acordes de piano mais puros em ‘’I remember’’ de Deadmau5 em 2005, para algo bem mais eletronic em como ‘’Aural Psynapse’’ em 2011. 

Esse movimento foi uma espécie de acompanhamento musical a redescoberta que a música eletrônica obteve nos EUA, o público americano experimentou o que eles mesmos haviam ajudado a criar em Detroit e Chicago 30 anos antes. Essa efusão sonora ganhou adeptos como Steve Angelo, Axwell, Sebastian Ingrosso (Swedish House Mafia), Feed Le Grand, Laidback Luke, Sander Van Doorn, Benny Benassi, ATB e David Guetta. Artistas que antes tocavam trance ou progressive house nos anos 2000, viram uma grande oportunidade no boom do eletro house com novos produtores prodígios ganhando milhares de seguidores nas redes sociais rapidamente. Estamos falando de nomes como Martin Garrix, Hardwell, Afrojack e Avicii.  Esses artistas mais antigos observaram uma onda gigantesca se criando nos EUA e mudaram seus estilos para também acessar todo o poder financeiro e visibilidade de um boom de festivais. 

Eles passaram a também produzir esse som que consistia em tracks explosivas, acordes estridentes, breaks energéticos e vocais advindos do mundo pop, causando literalmente uma febre na primeira geração de fãs das redes socias em larda escala. 

O que havia de problema nisso? Nada, não há nada de errado em mudar de estilo para ganhar os tão sonhados cachês milionários e definitivamente morar em Hollywood. Nessa época, o Beatport já era uma plataforma de escala global, onde todos queriam ter suas músicas nos top charts. Esses artistas da geração 2000, passaram a lançar suas músicas comercias feitas para o público americano dentro do progressive house, afinal, vários deles já lançavam lá antes. Isso inundou o estilo dentro da plataforma alterando fundamentalmente a percepção do que era progressive house. 

O Beatport o que fez? Nada, afinal, as vendas foram para a estratosfera. Imagine um mercado como o americano, de repente passar a consumir muito esse som comercial, não importava onde estivesse. Foi um movimento muito rápido e ninguém na época compreendeu direito oque estava ocorrendo, afinal na cena cluber pelo mundo, os DJs de progressive house mais antigos continuavam a serem headliners. 

Porém, passou 2011, 2012, 2013, e o impacto ficou flagrante. Dezenas de milhares de novos produtores de progressive house simplesmente não conseguiam aparecer, ganhar escala e serem chamados para tocar. Novos nomes como Guy J, Guy Gerber e Henry Saiz, tinham suas músicas dentro de estilos como tech house ou deep house, visto que progressivo havia se tornado sinônimo desse novo som comercial e não havia qualquer espaço para competir em termos de vendas e destaque. Isso também prejudicou gigantes do estilo, que passaram a querer se dissociar do progressive house. Outros ficaram com a bandeira a meio mastro, deixando de serem front names da cena mundial. 

Em 2014, percebendo que os estilos haviam se misturado, com uma completa bagunça dentro da plataforma, o Beatport resolveu agir. Afinal, você encontrava o verdadeiro progressive house dentro de estilos deep house, tech house e até techno. Isso acabou sendo um efeito domino que desorganizou toda a cadeia de estilos, deixando o público confuso e passando a reclamar de como era difícil achar o que realmente se gostaria dentro do site. 

Solução? Criar um novo termo, EDM/Bigroom, deslocando todo esse som comercial para lá e finalmente liberando o progressive house para os produtores poderem lançar. Claro que não foi algo simples, nos primeiros anos ainda era um pouco de tudo, comercial e progressivo juntos, porém aos poucos o top 100 foi sendo limpo e com uma nova geração de produtores Israelenses e Australianos surgindo, pode-se novamente ser um estilo respeitável em termos de quantidade de produtores com destaque na cena global. 

Foram praticamente 10 anos até o Progressive House novamente ser totalmente associado aos artistas corretos a nível global em certo nivelamento. Realmente demorou muito para novos nomes do estilo serem vistos como headliners, Guy J por exemplo, passou a ser atração principal no Warung só a partir de 2016, Guy Gerber conseguiu um pouco antes. Outros nomes como Guy Mantzur e Patrice Baumel, somente mais recentemente. 

Hoje, no pós pandemia, podemos dizer que a cena eletrônica global nunca esteve tão bem distribuída entre os estilos. Um balanceamento onde todos tem nomes que ‘’são mais comerciais, no sentido de venderem muitos ingressos’’. Quem diria que o Afro House iria ter artista indicado ao Grammy? Ou que o Techno iria virar som de main stage em grandes festivais? E o tech house então? Um fenômeno entre os mais jovens. Ainda, o Melodic House com super produções capazes de lotar arenas. O line up do Ultra EUA 2024 é prova desse equilíbrio de headliners. 

Por incrível que pareça, o Progressive House tem sido um dos últimos estilos a entrar na sala de novo. Depois de quase 20 anos avassaladores (92 até 2010), o estilo nunca teve tantos novos produtores como agora. Artistas de outros estilos, com o passar dos anos, acabam caindo na devoção ao som que se desdobra em camadas, ganhando corpos e novos elementos como quem não quer nada, e quando você menos puder esperar, estará se perguntando: de onde saiu tudo isso? 

É realmente muito interessante e desafiador para os produtores, por isso quem entra, dificilmente sai. Podemos dizer que há uma geração de Israelenses muito bem consolidada, outra geração de produtores Australianos que já tem muito tempo de experiencia, uma ótima renovação dos produtores ingleses e agora uma geração muito talentosa de Argentinos, que possuem agendas globais e tem (novamente) ganhado mercado no Brasil. Falando em Brasil, Hernan Cattaneo e Guy J hoje conseguem vender muitos ingressos, tocando não mais só no Sul, agora em São Paulo, e até no Nordeste. Sasha & Digweed voltaram a ganhar projeção após o histórico set do aniversário do Warung. Essas repercussões positivas de sets incríveis, longos e que proporcionam imersões que só esse estilo é capaz, tem atraído cada vez mais os olhos do público nacional. 

Ao mesmo tempo surge uma leva de talentos brasileiros que tem capacidade de formarem uma geração, a primeira, de produtores de renome internacional dentro do Progressivo. Podemos citar DNYO, que é um dos pioneiros no Brasil, Albuquerque, Zac, Luciano Scheffer, André Moret, Tonaco, Wilian Kraupp, Campaner, Goritz, Matt Oliver, entre muitos outros que volta e meia aparecem nos sets e podcasts do el maestro Hernan, do Nick Warren, do Guy J entre outros expoentes. 

Uma tempestade perfeita parece estar a vista no horizonte e o Brasil não vai ficar de fora, ela vem para colidir com o Progressive House em rota de crescimento, estando na melhor forma que poderia, ou seja, no meio de tudo, atraindo fãs de todos os lados, que ao entrarem pela porta, a fecham pelo lado de dentro. 

‘’Progressive House trabalha seu cérebro, seu corpo e sua alma’’ Dom Phillips. (R.I.P, 2022)

Por Jonas Fachi

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