Hernán Cattaneo desembarca pela primeira vez no CAOS neste sábado. Afinal, porque o DJ e produtor argentino possui tantos fãs devotos? Confira alguns fatos marcantes de sua trajetória.

Quando a cena eletrônica ainda era embrionária, incipiente e a house music voava de Chicago para ganhar o mundo, ele já estava lá, sendo um dos primeiros a agarra-lá. Quando os DJs tocavam em festas de clubes esportivos, aniversários e casamentos músicas que iam de Michael Jackson até Abba, ele também já estava lá. 

Durante as transformações e acontecimentos que ocorreram no final dos anos 80 até o início dos 90, com o boom da cena clubber mundial, Hernán Cattaneo já era DJ, participando da construção do zero da cena de sua própria cidade, Buenos Aires, até ela se tornar uma das mais importantes, talvez a mais importante do mundo hoje dentro da dance music. Buenos Aires lhe concedeu a chance da vida para ser notado e projetado nos anos 2000 até se tornar um ídolo global e viver na Europa. 

Anos depois, quando tudo parecia tranquilo para voltar a seu país e diminuir o ritmo, Hernán assistiu impávido Buenos Aires cair, quase como do céu ao inferno não podendo mais se apresentar em sua própria terra. Em um ato de cavaleiro das trevas, que se coloca a frente para salvar sua cidade, ele arriscou toda sua carreira e reputação, bateu de frente com o preconceito até coloca-la de volta no mapa dos grandes destinos globais para DJs e aficionados da cultura eletrônica. 

Depois de tudo isso, quando qualquer um iria descansar um pouco na praia com a família, Cattaneo ainda arrumou tempo para alcançar o auge de sua carreira (maior do que nos anos 2000), apresentando seus melhores lançamentos musicais, produzindo seus próprios eventos que se equiparam a um concerto de rock, e percorrendo um circuito de festas e clubes sold out ao redor do mundo. Enquanto muitos de sua época já não conseguem competir com os novos produtores estelares, Hernán se coloca no patamar dos mais lendários DJs que já surgiram para o mundo, porém com uma diferença: não vive do passado, sendo grande no presente! De aprender mixagem harmônica com um dos seus mestres, até abrir e fechar noites para eles nos anos 90, até vê-los o admirar como um dos seus.

 A trajetória de Hernán Cattaneo não pode ser comparada a nenhum outro DJ. Em seu livro, ‘’O Sonho De Um DJ (em português), você encontra muitas dessas histórias. Desde que foi lançado em 2021, já precisaria de mais alguns capítulos de atualização. Tudo isso prestes a completar 60 anos no próximo dia 4 de março, que claro, será comemorado com mais um Sunsetstrip na cidade universitária de Buenos Aires. Os ingressos estão esgotados para receber em torno de 40 mil pessoas! É isso mesmo, não estamos falando de um festival de rock ou pop, e sim de dois longsets de música progressiva conceito! Podemos afirmar que hoje nenhum outro DJ da cena underground global possui uma festa em sua própria cidade com tamanha aderência. Como isso é possível? Para além de um DJ trend global, Hernán é um herói nacional. 

Curiosidades e fatos de sua carreira: 

  • Ao mesmo tempo que Sasha, John Digweed, Nick Warren e Dave Seaman começavam a discotecar e ganhar projeção na Inglaterra, Hernán era um simples DJ em Buenos Aires, recebendo os primeiros discos de House Music dos EUA e se apaixonando por esse novo som. 
  • Também por volta de 1991, ao mesmo tempo que Laurent Garnier estava indo para Detroit conhecer os criadores do techno, Hernán Cattaneo também ia a NY (depois de vender seu único carro para comprar as passagens) para poder assistir seu ídolo tocar, ninguém menos que o God Father Of House Music Frankie Knucles no The Sound Factory Bar (que depois se tornaria o lendário Twilo). 
  • Quando Hernán era residente do clube Pacha de Buenos Aires, começou a abrir e fechar noites para os pioneiros do progressive house ingleses, se tornou amigo deles e absorveu esse novo som que era essencialmente Britânico. 
  • Ao contrário do que muitos pensam, Hernán só foi se tornar um DJ global com 33 anos. Nessa época ele já tinha quase 20 anos de carreira (começou a fazer apresentações ainda na adolescência). Porém, por ser sul-americano, as coisas sempre foram mais demoradas. Até que em 1999 ele foi chamado para tocar entre a maior banda eletrônica da época, The Chemical Brothers, e o DJ número 1 do mundo, Paul Oakenfold. O que fazer nessa hora? Ele optou por derrubar a energia do público após um eletrizante show da banda com um deep house tranquilo. O motivo? Paul era a estrela que iria tocar depois, não ele! Esse gesto de humildade e entendimento do que a pista precisaria para a noite funcionar iria mudar sua vida! Paul estava atrás do palco ouvindo e vendo tudo, as reclamações e objetos jogados no palco. Ao chegar para se apresentar, Paul lhe disse ‘’nunca vou esquecer o que você fez por mim hoje’’. No ano seguinte, Hernán estava em tour global abrindo shows em estádios de futebol com Paul e assinando sua passagem sem volta para a elite da cena mundial. Em 2002, já era capa da DJ Mag e em seguida passa a figurar no top 10 da lista dos melhores do mundo, ao lado de caras já lendários como Sasha, John Digweed, Carl Cox e Tiesto. 
  • Hernán quase se apresentou para Madonna em um show particular. Por volta de 1996, a rainha do Pop estava em tour por Buenos Aires. Entediada com o quarto de hotel, pede para seu agente ir a um clube de música eletrônica, porém, não havia nenhum aberto. O que fazer? Vamos abrir a Pacha só para ela. Ligam para o apartamento do DJ residente, um jovem de 30 anos, ninguém atende..’’Hernán, precisamos que você vá a Pacha agora, estamos chegando com a Madonna.’’. Após várias mensagens desesperadas na secretária eletrônica e sem retorno, a chance de ter ido fazer um set exclusivo para ela passou. O que uma saída para caminhar (em tempos de não internet e aplicativos de mensagens) pode fazer ou não com sua vida? Sem problemas, nos anos seguintes ele pode se apresentar para os caras do Depeche Mode!! 
  • Porquê Hernán é chamado de ‘’el maestro’’? Esse termo tem um pouco de participação dos Brasileiros, que passaram a chamá-lo de mestre após apresentações memoráveis no Warung Beach Club desde seu início. Na época, os mais fanáticos colecionavam CD’s de sets compilados por grandes DJs escolhidos pela renomada label Renaissance (uma das responsáveis pela proliferação do progressive house). Dentro desses lançamentos, havia uma série intitulada ‘’Masters Séries’’, reservada ao que se considerava os maiores expoentes do estilo no mundo. 
  • Bem, Hernán foi o artista que mais produziu compilações para a série Masters, que também convidou nomes como; Nick Warren, Dave Seaman, Satoshi Timiie, James Zabiela, entre outros. Dai surgiu entre os fãs a ideia de ‘’mestres’’ da discotecagem, que passou a ser titulado a outros gigantes que vinham ao templo para apresentações inesquecíveis. Na argentina, o termo ‘’el maestro’’ ganhou muita projeção após Hernán produzir uma série de shows de música eletrônica no Teatro Colón, um dos mais importantes do mundo, junto de uma Orquesta e seus parceiros de estúdio Soundelixe. Um documentário dos bastidores da produção saiu na Netflix posteriormente. 

Ao verem Hernán de terno, no centro do palco com dezenas de músicos representando clássicos da dance music ao vivo, o termo ‘’el maestro’’ pegou em todo o mundo. 

  • A queda da cena eletrônica de Buenos Aires ocorreu em 2016, quando 5 jovens morreram dentro do festival Time Warp da cidade, devido ao forte calor, consumo de drogas aliado a lotação do evento e falta de acesso a água. A grande imprensa na época colocou a música como grande culpada, fazendo com que as autoridades proibissem todos os festivais do gênero no país. Em um ato de total desinformação, colocaram na capa de um jornal a foto de Hernán, que nem estava no país naquele final de semana. Isso o fez enfrentar o debate, começar a falar sobre o tema, dar entrevistas sobre o assunto música vs drogas; ‘’isso é algo que é da sociedade e das pessoas, não da música em si’’. 

De tanto se expor nas grandes mídias para defender e salvar sua cidade, ele acabou se tornando uma figura reconhecida em todo país fora da bolha eletrônica! Seu esforço para tirar a música e os DJs do centro do problema foi recompensado quando em 2018 foi convidado a se apresentar no Teatro Colón, um dos locais mais sagrados da cultura musical argentina. Levar música eletrônica para lá depois de tudo que aconteceu foi um marco. Em 2019 ele cria o Sunsetrips ainda na tentativa de mostrar a sociedade um outro lado do que shows de música eletrônica podem ser: local aberto, organização de alto nível, água de graça e um cuidado especial com o público. Toda a imprensa nacional foi convidada a cobrir o evento, afim de perceberem que música eletrônica não é só algo de galpões escuros e consumo de drogas, é muito maior do que isso! Desde então o evento passou a ser um dos mais importantes no calendário turístico da cidade. Em 2024, após 8 anos, um festival conseguiu autorização para realizar um evento novamente na cidade; oficialmente o Creamfields voltou para sua cidade preferida. 

  • Quando Hernán se mudou de Londres para Barcelona após se casar em 2006, passou a acompanhar de perto o surgimento de um dos times mais lendários de todos os tempos: o Barcelona de Xavi, Iniesta, Busquets, Puyol e Messi, sendo liderados pelo jovem revolucionário Pep Guardiola, do qual Hernán se tornou um grande fã. Durante os 4 anos deste time que venceu tudo, Hernán procurava voltar no primeiro voo possível do domingo para ir ao Camp Nou assistir o dreamteam imbatível jogar. 
  • Em 2010, a cena progressive house foi inundada pelo EDM no beatport, escanteando boa parte dos DJs e produtores do estilo. Hernán foi um dos poucos que segurou a bandeira erguida, não mudando seu estilo ou tentando se desvincular da classificação, que estava sendo ligada a cena comercial americana. Sua resiliência foi recompensada após 2014 com a correção do estilo, onde o beatport passou a novamente ter no catálogo do progressive house produtores verdadeiros do estilo. Quem foram os primeiros a ocupar o espaço? Os nomes que eram da área de influência de Hernán. Artistas que sempre buscaram criar músicas para ele, receber seu suporte é como um prémio dourado. A cena progressive house desde então tem se moldado ao redor do espectro sonoro de Hernán! Em outras palavras, Cattaneo é a própria cena progressive house. A grande maioria dos produtores que estão no top 100 do estilo, passam também pelos sets dele, criando um ciclo positivo que se retroalimenta e que passou a ganhar novamente públicos grandes nos últimos cinco anos. Sua coragem para não abandonar o barco lá atrás, hoje é recompensada com uma base de fãs sem rival. 
  • A poucos dias Hernán e Paul Oakenfold lançaram uma música juntos pela primeira vez, comemorando 25 anos desde a primeira tour juntos. A faixa saiu em uma junção de forças da Armada Music e Perfecto Records. 
  • No Brasil, Cattaneo se encontra no melhor momento de público também, vindo de um show para sete mil pessoas no P12 na última sexta-feira, um recorde do clube. No Warung em setembro, foi dele a data que mais vendeu ingressos desde a reabertura. Em janeiro do ano passado, ele fez história ao estrear na Gate com um set obscuro que deixou todos sem chão. Agora, retorna para Campinas no Club Caos, prometendo mais uma apresentação marcante na cidade. 

Por Jonas Fachi

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