Por: Equipe House Mag
Neste fim de semana a terceira edição da Afterlife aconteceu no Brasil, dessa vez no Autódromo, em São Paulo. A mudança não foi apenas de lugar – da Arca para o Interlagos – mas também de produtora.
Antes produzida pela MS Live, passou para as mãos da gigante Live Nation, acostumada a fazer shows de artistas como Emicida, Shakira, U2, Coldplay, Bruno Mars, entre outros. Esta mudança já mostra o novo posicionamento da marca, que, apesar de ainda não ser mainstream no mercado musical pop, há muito tempo não transita mais no cenário underground da música eletrônica, já tendo flertado inclusive com Swedish House Mafia.
Se ano passado não passou de 5 mil pessoas, este ano estavam aguardando 50 mil, 10 vezes mais! O número final ainda não foi confirmado pela produção do evento.
Techno melódico abraçou o mainstream ou o mainstream invadiu o techno melódico?
A sonoridade se popularizou, mais elementos acessíveis foram agregados, e os vídeos das projeções monumentais do Anyma viralizaram de forma massiva pela internet. Não à toa o set do Anyma era o mais aguardado. E aqui, dividiu opiniões na internet.
Há quem diga que “carregou a festa nas costas com uma apresentação audiovisual de verdade”, de acordo com Lucas Beritibrando, que pretende voltar em outras edições da Afterlife, e há quem diga que decepcionou por ser “diferente do que foi anunciado, ou melhor, do que é vendido pelos lindos videos instagramáveis”, nos contou Flávia Antoniasse, que disse não pretender voltar ao evento futuramente.
Navegando pelo Twitter, é possível encontrar outras falas parecidas, de pessoas que estavam com a expectativa lá em cima por assistiram no Instagram e TikTok ao enorme telão da edição em Tulum, por exemplo, que possui uma estrutura única e própria, e gostariam de ter visto algo assim por aqui – ainda que este não tenha sido o telão anunciado pela produção, e que o telão e a estrutura de São Paulo tenha sido a mesma de outras Afterlifes pela América do Sul, inclusive da edição de réveillon no Chile.
Estaria a Afterlife presa agora aos padrões elevados que a marca criou ao redor do mundo, viralizando as imagens para além da bolha, elevando demasiadamente as expectativas do público? Ou o público está cada dia mais refém do que vê pela internet e não está sabendo curtir a realidade do momento? Todas essas polêmicas são inerentes a uma marca que cresceu tanto e estourou a bolha.
Outros pontos levantados por parte do público:
As pausas entre um DJ e outro – que pode ser explicada pelo formato único de show de cada apresentação, que precisa movimentar um arsenal de aparelhos, e pela estrutura da nova produtora, que talvez por não ser tão acostumada a realizar eventos de eletrônica, não considerou que a pausa maior do som entre os DJs não é comum na cena-, filas para entrar, água sem tampa e valor das bebidas. Problemas de organização ficam ainda mais evidentes quando o público considera que pagou um valor alto no ingresso. Eles querem que suas expectativas sejam cumpridas e exigem que cada detalhe seja milimetricamente perfeito, elevando ainda mais a responsabilidade para a produção do evento.
Para Cris Cegana, no entanto, o evento “foi um dos melhores festivais que já fui ao redor do mundo, e já fui em vários”, comenta. “A fila estava longa, mas caminhando constantemente. O que é normal para uma festa desse tamanho. A pista próxima ao palco tinha uma visão incrivel e confortável. Estava cheio, mas não apertado. O acesso ao banheiro estava ótimo, assim como a qualidade do som”, relatou.
E o techno melódico, onde fica?
Sobre as sonoridades, há questões pessoais corriqueiras, como quem gosta mais de um artista ou de outro, e há a parte do público que disse estar vendo mais do mesmo. Há muitos anos a label vem mostrando um design de som que se apoia em pequenas explosões épicas (mas ainda assim um som mais linear) e timbragem semelhante ao EDM, o que pode surpreender ou não.
E se boa parte do público que foi pela primeira vez se encantou pelo evento, a outra parte pode estar na linha do conflito entre a expansão da marca para o público mainstream – ajudada pela internet e pela Live Nation, que levou personalidades de fora da cena como Pepe, Marcelo Cerrado, Lactea e Leo Dias – e a raiz da música eletrônica, que pede por novidades mais frequentes do que shows de artistas como Bruno Mars e outros pop-stars, cujo público está acostumado a assistir às mesmas músicas e efeitos em diferentes shows ao redor do mundo sem levantar reclamações.
O encontro do público mainstream com os fãs mais antigos do Afterlife (que vão mais pelo som do que pelo audiovisual e apreciam as sonoridades do techno), causou um choque de opiniões na internet. Uma guerra praticamente perdida para os defensores da marca, já que grande parte do público que foi era iniciante dentro da música eletrônica, e embora muitos chamem o techno melódico de “novo EDM”, sonoramente ainda não é tão acessível assim para pessoas de fora da bolha.
É importante para a continuidade do mercado, que uma marca como a Afterlife fure a bolha e traga um público diverso à cena eletrônica, mesmo que essas pessoas tenham contato pela primeira vez com os DJs do evento. E é normal as pessoas mais habituadas a este tipo de festa perceberam uma certa diferença no termômetro da pista.
Em uma pesquisa realizada com nosso público, dividimos o calor do público em quente, morno e frio. A resposta média é de que a pista estava morna, ou seja, percebe-se a influência dessa diversidade entre as pessoas que queriam conhecer a festa por sua fama, projeções belas e tudo aquilo que se sabe e entre os fãs da label e dos artistas.
A Afterlife precisará lidar com o fato de estar flertando agora com ambos os públicos – o da música eletrônica raiz, e o mainstream – e entender como fará para continuar surpreendendo, afinal, é isso o que o público espera da marca.
De qualquer forma, os produtores de eventos precisam cada vez mais trabalhar o marketing naquela linha tênue entre o veneno e a cura, para evitar possíveis desgastes para a marca futuramente, e entender que a qualidade de entrega precisa estar de acordo com o valor do ingresso cobrado. E o público precisa aprender a dosar as reclamações, analisando se estão entrando nos eventos com três pedras nas mãos apenas aguardando um deslize para atirar, ou se suas frustrações têm real fundamento.