Clubs em crise? Em meio à instabilidades globais e gentrificação, marcas brasileiras emergem como potência da música eletrônica

A cena clubber desempenha um papel vital no amadurecimento e na formação de novos amantes da música eletrônica. Esses espaços não são apenas locais de entretenimento, mas também ambientes onde culturas se entrelaçam, estilos musicais são explorados e novas e genuínas conexões são formadas. Clubs emblemáticos em cidades como Berlim, Londres e Ibiza têm sido cruciais na promoção de gêneros, como techno e house, ajudando a moldar a identidade musical de gerações. A experiência de dançar ao som de DJs renomados em pistas completamente vivas e responsivas permite que os frequentadores desenvolvam um profundo apreço pela música eletrônica, tornando-se defensores ativos de toda a cena. 

O panorama global dos clubs tem enfrentado desafios significativos, e o fechamento de importantes lugares tem se tornado uma tendência preocupante para todo o setor, com a especulação imobiliária comprometendo ainda mais a cena clubber. O Watergate, um dos principais e mais icônicos da Alemanha, anunciou que após 22 anos irá encerrar suas atividades. Outro que pretende encontrar uma nova locação é o Wilde Renate, que também devido ao fim do contrato de aluguel, tende a fechar suas portas no fim do ano que vem. Já no Reino Unido, o icônico Printworks teve o mesmo fim devido a solicitação da British Land, empreiteira proprietária do local, em transformá-lo em um grande centro de escritórios e salas comerciais. 

Entretanto, o cenário brasileiro, mesmo sem incentivo governamental e enfrentando o conservadorismo político, tem crescido nestes anos pós pandêmicos. Só no ranking da revista britânica DJ Mag há dois grandes clubs no Top10 e três tiveram crescimento em suas colocações. Mas ao que se deve a razão do Brasil indicar um dos maiores avanços neste setor em específico? 

Valorização da economia noturna

A cultura dos clubs e da música eletrônica se entrelaça com a apelidada “economia noturna” que impulsiona serviços diversos, como hotéis, restaurantes e aplicativos de transporte, principalmente em cidades litorâneas e destinos turísticos. Esses espaços têm atraído tanto turistas nacionais quanto internacionais, ajudando a promover o Brasil como um destino de entretenimento de alto nível. Locais como Camboriú, Itajaí, Búzios e o litoral paulista são perfeitos exemplos.

Conexão com a natureza e o turismo de experiência

Os clubs brasileiros se destacam por oferecerem não apenas música, mas experiências imersivas, aproveitando-se de paisagens naturais icônicas. Warung Beach Club, Greenvalley, Privilège e o Laroc Guarujá são estabelecidos em paisagens deslumbrantes, como praias e montanhas, o que os diferencia dos grandes centros urbanos. Isso é atraente aos estrangeiros, especialmente num momento em que o turismo de experiência é uma tendência mundial.

Modo festival e o fomento à cultura clubber

Clubs têm adotado uma imersão de experiência em suas edições, com artistas de diversos estilos e agregando espaços de merchandising e ativações de grandes marcas em suas estratégias. Em Camboriú o Surreal Park, complexo de 135 mil metros quadrados, oferece 5 palcos além de mais 2 em construção, incluindo a “Jet Set”, uma pista de dança projetada em um antigo avião. Já o Laroc Valinhos agrega-se ao seu irmão mais novo Ame Club para proporcionar edições como o Ame Laroc Festival, durante o carnaval e a Elrow XXL, com dois temas diferentes, pela primeira vez no Brasil.  

Expansão de programações e line-ups diversificados

Os clubs brasileiros estão investindo em parcerias com DJs e labels internacionais, fortalecendo a reputação do país na cena global. Essa expansão ajuda os frequentadores a terem acesso a uma programação que mescla o local e o global, o que é raro de ser visto em muitos outros países. Entre os exemplos estão o recente Verknipt Brazil, o festival de hard techno que pela primeira vez se apresenta no Ame Club e teve uma vasta gama de DJs regionais entre os talentos do selo.

Resiliência e adaptação ao conservadorismo político

Embora o cenário político atual apresente desafios em termos de restrições e conservadorismo, o setor cultural e de entretenimento vem se mostrando resiliente. Clubs e promotores têm buscado formas de driblar essa pressão, seja por meio de parcerias privadas, financiamento coletivo ou colaborações internacionais, para manter a cena ativa e inovadora. Um bom exemplo são as ações do grupo Caos em conjunto com a prefeitura de Campinas, que através do projeto “Campinas Toca Disco”, leva música eletrônica para diversas gerações e a um público eclético em locais públicos. 

Criação de selos fonográficos e agências próprias

Clubs como o D-Edge, Warung e Ame investiram em suas próprias gravadoras e agências de bookings. Isso não só garante uma curadoria de qualidade na escolha da programação de suporte, como fortalece uma cadeia produtiva dentro da cena regional em que atuam, gerando oportunidades para artistas locais e dando maior autonomia aos estabelecimentos.

Acesso ao mercado internacional e colaborações globais

Parcerias internacionais, como a recente entrada do Grupo Laroc na Warner Music Group, possibilita remixagens do catálogo da Warner Chappell para artistas brasileiros em ascensão, além de oferecer uma distribuição mundial em massa de faixas brasileiras, que podem ser um marco para o país. Essas colaborações colocam o Brasil em evidência na cena eletrônica global e atraem novos públicos para o país, que enxergam nos clubs locais uma experiência autoral de alta qualidade.

A ascensão dos clubs brasileiros no cenário global representa um exemplo de resistência, inovação e adaptação cultural em um mercado tão competitivo quanto o latino-americano, ao conseguirem criar uma forte identidade própria, atraindo olhares de toda a comunidade internacional. No ritmo desse crescimento exponencial, os locais não só se tornam epicentro culturais e criativos, mas impulsionam também através das suas bases e do contexto histórico a cultura eletrônica para novos horizontes, influenciando diretamente o futuro do setor.

Por Bruno Bellato

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