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Caloteiros na música eletrônica: contratantes, DJs, agências e demais profissionais que devem e não pagam

A música eletrônica lida com emoções, paixões, fãs e é uma das alegrias de nossas vidas. Entretanto, há um lado desse mercado que apenas quem trabalha nele sente na pele todas as dificuldades, e mais frequente do que gostaríamos, acontecem situações de calotes. Sejam contratantes que não pagam os DJs, acordos quebrados de casas de shows com produtores e fornecedores, artistas ou agências que não pagam serviços que contratam (como de fotografia, assessoria de imprensa, social media), entre outros.

Neste mercado, muitas peças precisam girar para a engrenagem funcionar, e infelizmente é mais comum do que deveriam ser, situações em que pessoas trabalham e não são remuneradas com o que foi combinado previamente. Muitos inclusive quebram contratos sem se preocupar com as consequências. 

Mas para isso o advogado Leonardo Cumin Cargiano explica que há solução: “Grave (vídeo ou áudio ou print) tudo. Hoje um celular é a maior arma que você pode ter contra alguma ilegalidade ou descumprimento. O maior problema sempre é provar o combinado, então se você não tem contrato assinado, tenha sempre um meio de prova para mostrar”,ele afirma. 

A pergunta que fica é: por que dar calote nas pessoas? Contratar o serviço de uma pessoa e pagá-la por isso de forma justa não deveria ser um princípio ético de quem está no mercado?

Infelizmente muitas pessoas nem sempre pagam pelo serviço que contrataram. E desencadeiam uma série de calotes em bola de neve: o contratante que não paga o fornecedor, que não paga seu funcionário, que não paga sua dívida de cartão de crédito; ou o DJ que não recebe e não paga seu time. 

Se por um lado essa situação pode envolver valores pessoais de cada profissional – afinal há aqueles que fazem questão de honrar seus compromissos mesmo levando calores de terceiros – por outro há também casos frequentes de mau gerenciamento financeiro, onde as pessoas não planejam suas finanças e não priorizam pagar algumas de suas contas.

Para exemplificar bem qual é o ponto dessa matéria coletamos relatos de pessoas envolvidas no mercado da música eletrônica que já passaram por essas situações. Confira os relatos abaixo.

Zomero (@zomeromusik), DJ e produtor musical: ‘’Organizei uma festa em um bar/restaurante, e o gerente da casa tinha um acordo comigo: as entradas seriam minhas e o bar deles, e ele ainda daria uma ajuda financeira para o cachê dos DJs, flyers, fotos e vídeos – que a casa iria usar após o evento para marketing deles. Ele não depositou na semana antes do evento, mas eu segui com o meu evento. No dia, o responsável atual do local mal sabia da festa e dos equipamentos, e eu e meus amigos DJs organizamos tudo. No fim ocorreu tudo bem e foi um sucesso. Na semana seguinte, silêncio da casa e então descubro que eles estavam trocando de gerência e estavam com saldo negativo. O novo gerente não pagou o que estava combinado, porque, segundo ele, o problema era do antigo gerente que prometeu isso. Engraçado, por que se vc pega a gerência de um local, você tem que arcar com os contratos que a casa tinha antes, e não escolher o que você quer pagar ou não, não é mesmo?’’

Marcelo Malanconi, jornalista e empreendedor: “Fiz uma parceria com a Dub Music para abrir uma escola de DJs em Santos, com grade das aulas fechada para 12 meses. No quinto mês o cara de São Paulo desistiu do projeto, mas já tinha embolsado os outros sete meses de aulas. Ele nunca me pagou a comissão acordada e ainda assim comprei a escola dele (descontando tudo o que me devia na época e eu pagava a diferença em 12 meses). Ele rompeu com a faculdade e deveria entregar o imóvel em três meses, mas isso não estava no meu contrato de compra e venda. Eu parei de pagar ele porque precisei pagar um outro espaço, mais professor por sete meses para assumir os alunos que já tinham pago’’. No final, Marcelo foi processado por seu ex-sócio e ficou no prejuízo de 30 a 40 mil reais.

DJ Juck (@juck.project): ‘’Atuei por cinco meses em um bar como residente, gostava do espaço e da vibe do público, praticamente toda semana passava do horário marcado porque a galera ainda tava animada e eu queria manter o rolê acontecendo. Com quatro meses de casa um dos sócios saiu da gerência do espaço por desentendimentos com os outros dois sócios. Quando fui receber os cachês referentes ao quinto mês da residência, um dos sócios pegou alguns artigos para venda e fugiu com tudo para a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, encerrei a residência com eles me devendo 1400 reais e nunca mais vi o sócio que deveria me pagar.’’

Um fotógrafo que trabalha com grandes eventos e artistas da cena eletrônica e tem sua própria produtora de audiovisuais não quis se identificar. Ele conta: ‘’Na virada do ano realizamos um trabalho de audiovisual para uma festa de cinco dias. Haviam 2 pagamentos para serem realizados como parte dos antecipados, o primeiro de 30% do valor foi pago, porém o segundo de 30% não foi realizado, esse mesmo pagamento seria realizado 2 dias antes do evento e não foi feito. Prezando o bom atendimento e a boa fé, mesmo que o pagamento combinado não foi feito, enviei os profissionais para realizarem o trabalho comprado, já estavam com as passagens compradas e o hotel reservado, e esse foi o primeiro erro que cometi’ Depois que o trabalho foi realizado, o contratante não efetuou o pagamento alegando que tomou prejuízo no evento e combinou com o fotógrafo outra data para pagamento, e então sumiu”. Os funcionários dele receberam o pagamento, entretanto o fotógrafo precisou tirar dinheiro próprio para arcar com seus funcionários e também teve que vender itens pessoais.

Gabriela Loschi, CEO da Boreal Agency, uma das maiores agências de assessoria de imprensa para DJs, agências, eventos e clubes, também já foi vítima de maus pagadores. Em seu depoimento, a empresária diz: ‘’Infelizmente a inadimplência neste mercado existe e é preciso se precaver de diversas formas. Já vi acontecer com artistas, fotógrafos, revistas e outros profissionais da cena que deixam de receber, como a própria Boreal. Não é a maioria, ainda bem que 99,9% dos nossos clientes são excelentes, possuem planejamento financeiro e bons valores morais, temos muitos clientes antigos e recorrentes também, temos contrato, mas já enfrentamos sim algumas poucas situações de calotes, como por exemplo de uma outra agência de marketing que contratava nossos serviços de assessoria de imprensa para seus clientes e simplesmente decidiram não pagar os últimos meses do acordo, sempre alegando alguma desculpa, como que seus clientes diminuíram, ou seja, faltou planejamento financeiro e transparência, já que eles inclusive  bloquearam meu financeiro no whatsapp para não receber as cobranças, mesmo a nossa entrega sempre tendo sido acima do que eles pediam. Depois fiquei sabendo que eles já fizeram isso com outras pessoas. Eu nunca atrasei um pagamento de nenhum funcionário, independente de qualquer coisa, e acredito que para que a cena seja cada vez mais profissional essas coisas precisam acabar. ’’

Confira abaixo todas as dicas do advogado Leonardo Cumin Carignano, que contou um pouco sobre o que pode ser feito para se precaver e defender-se legalmente caso uma situação de calote aconteça com você. 

1 – Grave (vídeo ou áudio ou print) tudo, hoje um celular é sua maior arma contra alguma ilegalidade ou descumprimento. O maior problema sempre é provar o combinado, então se você não tem contrato assinado, ou local se recusa a dar uma declaração do ocorrido, tenha sempre um meio de prova para mostrar depois o ocorrido;

Mas ok e ai? E se o cara não tem dinheiro?

2 – É sempre saudável realizar pesquisa prévia dos dados de um contratante ou contratado no “mercado” seja por contato com parceiros, seja verificação de negativação (hoje você paga R$ 14,00 ou menos para verificar), seja buscando o nome e o CNPJ/CPF dele na internet para ver se não existem processos e reclamações em sites como Reclame aqui;

Entendi, mas e se eu PRECISAR MUITO, contratar com essa pessoa/empresa mesmo que ela tenha uma má fama ou nome sujo o que fazer?

3 – Exija garantias, depósitos antecipados, fiadores (se a pessoa está de boa fé e quer mesmo pagar não vai reclamar, agora se fizer cena… já imagine o que está por vir), verifique se a pessoa possui bens em seu nome pessoal (se for imóveis tem que ser mais de um) ou em nome da empresa (novamente os custos são baixos, coisa de 50,00 para buscar em um único município);

Se soubesse antes disso não tinha levado um calote, mas e agora, não pesquisei, não pedi garantias e a pessoa me deve, o que fazer?

4 – Contrate um advogado de sua confiança e busque o recebimento dos valores. Antes que você pense que isso é caro, já te informo que até 40 salários mínimos você não precisa pagar custas processuais e nem sucumbência caso seja julgado improcedente o seu pedido (isso envolve quase 80% dos “calotes”. E a maioria dos advogados, em valores pequenos, cobram uma porcentagem do valor recuperado sendo essa possibilidade autorizada e regulada pela OAB no seu código de ética artigo 50 e seus parágrafos, assim não tem mais desculpa de você não buscar receber o que lhe devem;

Ai, mas dá muito trabalho… será que vale a pena?

5 – Para organizar um processo, tempo gasto SEU será aproximadamente o seguinte:

20 min para contar a história toda, isso se for longa.

15 min para mandar os prints e vídeos que já têm, assinar procuração e contratos.

5 min para entrar numa audiência de conciliação.

20 min para entrar numa audiência de instrução (quando vamos ouvir testemunhas).

Agora, você já sabe algumas situações que ocorrem nos bastidores da música eletrônica e também sabe como pode se defender caso algum caloteiro faça algo que vá contra o combinado/assinado em contrato. Esteja sempre atento e lute pelos seus direitos.

Por redação

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