O Spotify divulgou recentemente os resultados do último trimestre, destacando um crescimento expressivo no número de usuários ativos mensais e assinantes, impulsionado por um recorde de novas adesões. A receita total da plataforma aumentou 16%, e, pela primeira vez, a operação gerou lucro, registrando um recorde de pagamentos para a indústria musical – US$ 10 bilhões apenas em 2024.
Por outro lado, em um movimento que expõe a lógica implacável do streaming, a plataforma desmonetizou todas as faixas com menos de mil reproduções, um corte que, segundo a Luminate Data, afeta quase 90% das músicas disponíveis – acesse o relatório. Para o underground e artistas de menor alcance em geral, essa decisão burocrática não só eliminou uma fonte de receita, como também reforçou o abismo entre o mainstream e a base da cena.

Na teoria, o algoritmo da plataforma favorece a descoberta, conectando artistas de sonoridades similares e permitindo que novos nomes cheguem ao público. Na prática, a visibilidade continua sendo um jogo de volume: artistas que já acumulam milhões de plays têm maior presença nas recomendações, enquanto aqueles fora desse circuito lutam para serem ouvidos.

O fenômeno se torna ainda mais evidente ao analisarmos os artistas brasileiros que ganharam protagonismo no Spotify. Raramente o sucesso começa na plataforma. O caminho costuma ser o oposto: hits surgem em espaços mais propícios à viralização orgânica e só depois se consolidam no streaming. O caso do DJ e produtor Beltran exemplifica bem esse fluxo. Sua faixa ‘Smack Yo’ alcançou 41 milhões de plays no Spotify após circular nos sets de grandes nomes da cena global como Michael Bibi e posteriomente explodir no TikTok.
Antes da era do streaming, um artista emergente precisava do selo de uma grande gravadora, que iria investir na divulgação – seja via rádio (com o famigerado jabá), seja por meio de prensagem de vinil, CDs e merchandising. O que mudou?

Na essência, pouca coisa. O Spotify e outras plataformas de streaming apenas assumiram o papel de novos intermediários entre público e artista, reproduzindo a lógica das grandes gravadoras dos anos 1990 e 2000, onde o foco era potencializar quem já era grande, em vez de abrir caminho para novas vozes. Ainda assim, o underground resiste. E para quem acredita na chance de furar a bolha, vale lembrar: antes de ser pop, todo artista já foi underground. E, na velocidade da internet, ainda que seja possível ter seu momento, a questão é o que acontece depois desse minuto de fama.
Por Anhanguera