Por Jonas Fachi
Fotos: Biah_art
Depois de um início desolador, 2023 terminou com muita expectativa e boas energias no Templo da música eletrônica. Todos podemos ver surgindo do lado de cima do Garden o aclamado triangulo apontado para o mar. Sim, falta pouco para estarmos novamente vivendo o sonho de ouvir música com o sol nascendo no mar como expectador de momentos eternos. Um ano em que o Warung passou por uma readequação artística devido a capacidade de público limitada no Garden, ainda assim a tradicional data de residência em dezembro de Hernán Cattaneo foi mantida, afinal, muitos fãs dele de toda América Latina estão na região para aproveitar nossas lindas praias, além dos Argentinos que sempre passam férias por aqui e o templo é destino certo.
Muitos fãs estavam desconfiados sobre como seria ver Hernan pela primeira vez desde sua estreia em 2003, fora do Inside. Eu comentei com vários amigos que seria um festão de qualquer forma, afinal estamos falando de um dos maiores DJs de todos os tempos, capaz de fazer virar qualquer pista, então as coisas tendiam a acontecer naturalmente.
Chegando no club, peguei a última hora do set do Zac e fiquei muito entusiasmado com a linha séria e cadenciada que ele estava jogando, lembrando-me dos inícios de set do John Digweed. Eu prestigio muito quando um DJ que hoje é headliner no Brasil, sabe voltar às origens e fazer um warm-up de primeira linha, que não é fácil, pois demanda uma linha de pesquisa toda nova do que está acostumado. Fiquei mais feliz ainda em poder contribuir com algumas faixas na semana da festa, que foram tocadas por ele. Mesmo com o sistema de som mais baixo, a pista foi entregue pronta para ser levantada.
Quando Hernán surgiu na cabine, ninguém do público se manifestou, ele é acostumado a ter uma calorosa recepção, o que causou certa estranheza. Pontualmente meia noite inicia usando a linha de som que o Zac deixou como referência e já na primeira hora colocou um ritmo bem continuo, sem faixas de warm-up. ‘’Generator’’ do paulista André Moret é o primeiro destaque de uma noite em que muitos brasileiros teriam seu suporte como prêmio máximo de uma jornada em busca de espaço na concorrida cena progressiva mundial.
Acredito que por ser no Garden e a pista ainda não estar totalmente cheia, Hernan foi direto ao ponto.
A 01h a pista estava lotada, todos os camarotes, backstage e o som bem mais alto. Tem sido recorrente neste verão o público chegar mais tarde, infelizmente.
A música passa a fluir e logo todos ficam conectados, como se fosse um grande cérebro, um organismo que reage e balança de forma conjunta. Como diz o grande neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis; uma brainnet coletiva. Estava feito, a mágica e energia frenética estava instalada e os primeiros picos de explosão com mãos para cima surgiram.
Destaque para a faixa ‘’Trifinio’’ de Nufects e Luciano Scheffer, o produtor favorito de Hernan no Brasil.
Por volta das 02h, Hernan vira pra mim atrás e comenta que o inicio foi estranho, mas que agora estava tudo dentro da normalidade, ou seja, todos dançando emocionados pelas próximas horas.
‘’Playmobil’’ de Audio Junkies (James Harcourt remix) vem como destaque da terceira hora e outro brasileiro ganha vez às 03h, Tonaco com seu remix para ‘’Cressida’’.
Muitos novos e velhos amigos na pista curtindo, conheci um casal do RS com 20 anos de idade que estavam debutando na noite mais clássica do ano. Conseguir renovar público em diversas partes do mundo a cada 5, 6 anos é algo muito difícil, sorte nossa que no Brasil isso vem acontecendo.
Às 03h30 entra uma faixa que me lembrou as tracks progressivas com toques de trance dos anos 2000. Era ‘’Just Stranger’’ dos brasileiros Saw & Jay, um tipo de estrutura musical que não se ouve muito nos dias de hoje.
Golan Zocher com ‘’Alive feat. Ojeni’’ (Dabeat Remix) é outra faixa que merece destaque, com um lindo vocal limpo e chamativo. Aliás, foram diversas faixas vocais que ele tocou nessa noite, não é algo tão comum, porém por ser tratar de uma pista Garden, mais iluminada e amistosa, fez sentido.
Na sequência entra uma das melhores músicas de 2023, que infelizmente não foi lançada. ‘’Between The Clouds’’ da nossa ANNA com a lenda Sasha. Produção inusitada feita especialmente para o set The Lab Ibiza de 40 anos da Mixmag. Essa faixa tem feito parte dos sets do Hernan nas últimas semanas.
‘’Are You Real’’ de Weval às 04h é aquele tipo de faixa do meio da noite para dar uma quebrada no ritmo sem perder conexão. Um vocal que me lembrou Caribou. Outra que tem sido constante em seus sets é ‘’More Love’’ de Moderat em um novo Edit com mais punch e velocidade do que a versão de Rampa &ME. Como diz o Josh Wink, ‘’o papel de um DJ é educar a pista com coisas novas e as vezes dar um pouco do que eles conhecem’’. Ao longo dos anos, Hernan sempre foi mestre nisso; trazer músicas que são ‘’trend’’ do momento com versões diferentes.
Às 05h finalmente ele toca a música que eu aguardei por toda noite, na verdade, já esperava que seria na hora mais pesada do set. ‘’The Last Song’’ de Pale Blue com remix do Sasha. Que track!! Uns dias antes, quando Sasha postou ela no Instagram, Hernan comentou elogiando e na hora eu pensei; ‘’ele vai tocar no Warung’’.
Começou a amanhecer e o ritmo estava no alto, ele joga ‘’Spy’’ do The Doors (Checo Cotela Edit). A voz marcante de Jim Morisson ecoando pelo Garden foi realmente especial, ela tem a mesma potencia do Dave Gahan (Depeche Mode), porém com um tom mais melancólico. A batida era pesada, e para completar, essa música possui um sampler com a melodia da música ‘’Vivo’’ (ouvir aqui) do ícone do rock argentino Gustavo Cerati. Um mash-up genial de fato que o produtor Checo imaginou ao fazer essa junção. Não preciso dizer que foi o ponto alto da noite.
Tal Fussman com ‘’Children of 95’’ entra em seguida dando outro clima a pista. Pensei, que faixa é essa? Que obra prima, um arpejo psicodélico, um acorde de piano bem marcado fazendo escala no compasso, um harmônico parecendo uma orquestra, um vocal de jazz antes do break e o ritmo lá em cima!
Tocar Depeche Mode tem sido uma marca registrada ao longo de toda carreira de Hernan, no Warung, acho que nunca faltou algum remix da lendária banda eletrônica britânica. Dessa vez não foi diferente, e ele veio com ‘’Wagging Tongue’’, remix oficial de Edu Imbernon & Clemente, linda faixa do novo álbum deles lançado em 2023.
Estava quase batendo 06h, aquela vibração única do templo estava se reproduzindo no Garden através do sorriso estampado no rosto de todos. Ele encerra com a linda faixa ‘’Solitude’’ de M83, em um remix seu com Kevin Di Serna. É daquelas faixas virais do tiktok que é usada em vídeos de reflexão ou sobre o cosmos e que sem dúvidas mexe com os sentidos de uma pista repleta de pessoas que sentem uma admiração enorme por este ser chamado Hernan Cattaneo.
Falo agora da pessoa, do espirito ‘’buena onda’’ que ele carrega, de sua real preocupação com seus seguidores e da sua humildade sem fim. Ser fã dele é receber vários exemplos para a vida de como ser uma pessoa melhor. Hernan transmite esse sentimento quando toca e como diz Paul Oakenfold; ‘’Se alguma vez tiveres a oportunidade de conhecê-lo, sempre vais tomar um tempo para cumprimentá-lo’’
A música acabou, o público queria mais, pedia por mais. Na hora lembro-me de um vídeo seu de 2011 no Perú tocando no lendário club La Huaka, com o público suplicando por mais, Hernan vira para o promotor do evento e diz sorrindo; ‘’Que hacemos?’’ (ver aqui).
É aquele tipo de fala genuína de um verdadeiro apaixonado pelo que faz. O que fazemos? Ponemos una más!!!
Tanto lá, como aqui, foi lhe dado essa opção, ele não tinha programado, porém, não demorou 20 segundos para sacar uma daquelas cartas matadoras que faria o público não esquecer jamais, era Acid Pauli com ‘’Nana’’. Faixa que ele jogou no templo em 2016 e marcou aquele ano. Porque não repetir? Tem algumas faixas que nunca saem da case. (pen drive).
Seis horas que passaram em um piscar de olhos, como isso é possível? Hernan, é claro, um mestre do controle dos climas e tempos, capaz de juntar temas até que eles se tornem um único canal sonoro, que te leva e te puxa para diferentes lados do seu espectro musical. Eu olhava seu balanço ininterrupto enquanto tocava, quase sem distrações, a não ser para apontar para um rosto conhecido ou outro, e ficava com a sensação de que ele poderia ser manter ali, assim, fazendo suas conexões para sempre.
Enquanto muitos artistas da nova geração, que agora estão no hype, não aceitam tocar no Garden, mesmo sabendo que é um momento de transição e dificuldade, lendas da cena como Hernan Cattaneo, Nick Warren e Dubfire vem e fazem acontecer. Não há toa estão a 30 anos renovando suas bases de fãs e fazendo história, seja onde for.