Já há algum tempo que as artes visuais complementam o espetáculo com projeções que conversam com a música, o local e a proposta do evento. Os telões são parte fundamental para a construção da atmosfera, e o profissional que tem essa responsabilidade de conduzir o público para uma viagem paralela à música é o VJ (video-jockey). É o responsável por manipular e projetar as imagens, vídeos e artes em tempo real.
Assim como um DJ precisa ler o ambiente, as pessoas e a pista para escolher as músicas, um VJ precisa ter essa sensibilidade no momento de colocar as projeções e criar uma coerência entre o visual e o áudio. Há também a possibilidade de determinados shows e artistas que utilizem artes específicas para cada momento do show. Dois grandes exemplos hoje são os shows de Anyma e o projeto HOLO, de Eric Prydz.
Desta forma, os VJs podem colocar sua assinatura fazendo um trabalho autoral nas telas. É comum samplear imagens/vídeos para desenvolver outro projeto por cima que seja mais coerente com o trabalho do profissional. Então, para entender um pouco melhor em relação a essa figura imprescindível no cenário atual, convidamos três importantes VJs para falar com a gente e contar mais sobre a experiência na profissão.
Qual é a maior dificuldade para um VJ durante a ação no show?
VJ Daniel Paz O que posso pontuar é que no segmento que atuo (clubs e festivais), são muitas horas a fio projetando. Manter-se sempre com bom desempenho é um desafio. Também neste meio, conciliar os visuais, o conteúdo temático da festa e o material que os DJs mandam é complicado. Muito cacique pra pouco índio (risos).
Reyzek VJ A maior dificuldade que encontro durante um show é a falta de estrutura física para acomodar os equipamentos. Sempre são espaços pequenos.
Spetto Um setup sem conferência, equipamento dando choque, falta de espaço, não ter uma visão clara do palco… são algumas das dificuldades que acontecem. O resto é exercício da arte e isso flui com a alma.
Prefere trabalhar com artes autorais ou buscá-las de outra forma?
VJ Daniel Paz Existem muitas áreas de atuação para os VJs que propiciam o uso somente de conteúdo autoral. No meu caso, que atuo com DJs sets variados por longas horas em festivais, o essencial é uma boa curadoria do material que irei apresentar.
Reyzek VJ Prefiro a junção dos dois. Gosto de mesclar, por me proporcionar mais opções.
Spetto Gosto de usar trabalho autoral para ter uma expressão artística própria, passando minhas ideias visuais ao público. Mas também utilizo outros materiais, texturas, loops que venham a agregar. Parte da arte do VJ é mixar imagens e sentidos, sincronizar isso de acordo com o sentimento da apresentação e dar ritmo ao cenário. Tudo respeitando uma estética e uma paleta de cores.
A inteligência artificial tem tudo para ser uma aliada dos VJs. Você curte trabalhar com imagens geradas por IA?
VJ Daniel Paz São ferramentas que agilizam muitos processos. Atualmente no meu workflow uso para gerar cenas, animar imagens, criar conteúdo temático, remixar vídeos, aumentar a resolução/qualidade das imagens —facilitar os renders também.
Reyzek VJ Não gosto dos recursos de inteligência artificial. Sou da época dos analógicos, e prefiro as linguagens mais clássicas.
Spetto Recortar uma imagem, completar um fundo, melhorar a resolução, tudo isso a IA acelera muito. Então dizendo assim, faz parte do meu resultado final. Porém, não gosto da estética pura das IAs no meu VJ set. Acho interessante, mas muito artificial ou sem groove, sem alma. Existem muitas IAs, cada uma com seu modelo, biblioteca, e combinar todos esses resultados em prol de uma obra maior pode ser um belo exercício de composição.
Qual o rolê que mais se orgulhou do seu trabalho? E qual foi o mais desafiador?
VJ Daniel Paz Com certeza ser residente do Greenvalley, por toda a sua história, e procurar me manter a altura da excelência que este club sempre apresenta.
Reyzek VJ O que mais me orgulhou foi o projeto 5uinto, onde tive a oportunidade de me apresentar ao lado de DJs renomados. O mais desafiador foi a criação de cenários virtuais para uma peça teatral.
Spetto Com certeza Olimpíadas do Rio, e de inaugurar as projeções no Obelisco de Buenos Aires. Mas também a reinauguração do Royal Festival Hall, que contou com a presença da Rainha Elizabeth. Um dos mais desafiadores foi projetar em Datong, na China, sob um frio de -35°C. Afinar 24 projetores nessa temperatura é realmente dureza.
O que é o principal fator de influência na escolha das projeções, na sua opinião?
VJ Daniel Paz Os estilos musicais presentes nos lineups e o conceito de cada festa. Os visuais usados para psytrance possuem características que não tem nada a ver com techno, por exemplo. Combinar suas projeções com o calor e humor que os DJs estão tocando é fundamental, pois isso varia muito durante o evento.
Reyzek VJ O que mais me influencia nas escolhas é a sensação que a imagem me proporciona, refletindo sentimentos e emoções.
Spetto Saber respeitar a temática do evento e entender como é o público. Tem também o momento de trazer um assunto à tona, escrachar uma situação. Sou de uma geração de VJs que usávamos muito o humor nas projeções. Esse tipo de distração deixava o ambiente leve e era tema de conversas depois. Tirar o público da casinha é um poder que a arte tem. A música faz isso, a projeção também. A gente pode levar as pessoas a outros lugares e isso é entretenimento, é arte!
Por Adriano Canestri