Entrevista BLANCAh: novo álbum, nova gravadora e renascimento, confira tudo sobre Arias Of Sky

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: divulgação

Lançar um álbum é sempre um desafio marcante na carreira de um artista, afinal, é preciso que um conjunto de várias histórias musicais e pensamentos difusos façam sentido conversando entre si. Em maio, uma das artistas brasileiras mais proeminentes lançou seu segundo álbum de estúdio intitulado “Arias Of Sky”.

BLANCAh volta a abordar o tema que lhe cerca de forma fundamental: sua relação com passáros. Convidei a produtora catarinense para essa entrevista sem nem ter ouvido uma prévia do trabalho. Ao receber o material, confirmei o sentimento em relação a ela. Blancah é sem dúvidas nossa artista mais criativa e autêntica desde Gui Boratto. Arrisco em dizer que “Arias Of Sky” não só está a altura da Renaissance como, também, se coloca como um dos melhores trabalhos já lançados pela label.

Cada música possui sua história e linhas únicas, porém, os melhores álbuns são os que crescem quando são ouvidos no continuous mix. Arias Of Sky começa espacial, com batidas lentas e vai ganhando profundidade emotiva de forma progressiva, terminando mais ácido e intenso. Alguns elementos orgânicos que surgem em algumas faixas colocam uma pitada de balearic se misturando com sinfonias profundas. Combinações pouco prováveis sendo exploradas de maneira ímpar por uma artista que se consolida com esse trabalho como uma das revelações do cenário global.

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Relato pessoal da artista

“Passei dois anos dedicando minha energia a este álbum. Entre viagens, shows, turnês, todo o meu tempo livre foi dedicado a compor essas 12 músicas no meu estúdio. As principais inspirações para compor o álbum ainda estão relacionadas ao conceito artístico por trás de BLANCAh, os pássaros. Para quem não sabe, BLANCAh é um pássaro, nascido como um pássaro, e tudo o que eu produzo desde as músicas até o conteúdo artístico ao meu redor está relacionado aos pássaros de uma certa maneira. Em 2016, lancei meu primeiro álbum chamado `NEST`, que contava a história de um pássaro que tinha medo de deixar o ninho até o momento em que decolou para enfrentar o mundo. Agora, quatro anos depois, estou lançando `Arias of Sky`, o ambiente deste pássaro. Este céu é para mim uma metáfora das minhas relações e este álbum é basicamente um testemunho de amor. É possível sentir essa vibração logo na primeira música, `Afago`, onde escolhi partes das mensagens trocadas pelo WhatsApp com amigos, parentes, meus pais, pessoas que eu amo e que são uma parte importante da minha vida. Então, todo o álbum é uma jornada para o meu universo íntimo, meu céu pessoal.’’

Confira abaixo a entrevista com BLANCAh sobre seu novo álbum, “Arias Of Sky”, lançado no dia 8 de maio, disponível em formato vinil e nas principais plataformas digitais. 

HM – Primeiramente, obrigado pela entrevista. Estamos vivendo um ano que ficará para os livros de história como um dos mais tristes da história contemporânea. O setor de entretenimento está totalmente parado e sem previsão para voltar. Como tem sido para você pessoalmente esses últimos meses?

Olá Jonas, primeiramente obrigada pela oportunidade de conversar com a House Mag a respeito do meu novo álbum. A minha rotina pouco foi alterada! Salvo as viagens a trabalho nos fins de semana, todo o resto segue igual.

Sempre fui muito caseira, então, não encarei a quarentena como uma prisão. Desde o início me propus a buscar a leveza desse processo e não o peso que o confinamento e as limitações do momento podem trazer. Também me propus a diminuir o nível das expectativas, a fazer planos de curtíssimo prazo e com possibilidades reais de serem executados.

Sigo criando conteúdo para a divulgação do álbum, em breve, farei o show de lançamento do álbum em parceria com uns artistas argentinos. A mente segue a mil. Agora o que começa a apertar é a grana que não entra, né? Então preciso criar oportunidades novas para poder me manter. Mas tenho esperança de que encontraremos uma saída.

HM – Seu novo álbum foi lançado por uma das maiores gravadoras de todos os tempos. Poucos artistas sul americanos já tiveram a honra de lançar pela Renaissance, uma gravadora lendária que ajudou a projetar ícones como Sasha, John Digweed, Dave Seaman e Hernan Cattaneo. Como é fazer parte da reconstrução do selo pós era digital? Como iniciou a parceria?

Eu sou muito grata pela oportunidade que me foi dada. Sei da importância da gravadora, sei do quão criteriosos eles são na escolha dos artistas e do quão seleto é o time que fez parte desta história. Depois que decidi deixar a Steyoyoke eu passei um ano sem uma “gravadora pra chamar de minha” [rs].

Confesso que andava desanimada naquele momento, até que recebi um telefonema da minha booker, a Sally, diretamente de Amsterdam. Ela estava no ADE e num destes encontros corriqueiros que o evento promove ela teve a oportunidade de mostrar meu trabalho ao Geoff, dono da Renaissance. Ele amou o que viu e ouviu e na hora rolou o convite de me ter na gravadora. Calhou que juntar o “renascimento” da gravadora nessa era digital, como você bem disse, como meu próprio renascimento enquanto artista. Em 2019, o meu EP “Cold Lights” foi o primeiro da gravadora depois de um longo hiato. Logo em seguida, mostrei para eles algumas músicas que já estavam prontas do “Arias Of Sky” e eles amaram. Nossa relação só amadurece desde então. Mostrei para eles minha capacidade criativa fora do estúdio, como artista plástica, e eles me deram carta branca para desenvolver todo o projeto gráfico do meu álbum, o que, para mim, foi mais uma prova de confiança e fortalecimento nessa jornada juntos. 

“Criar histórias, conectar conceitos, vislumbrar imagens, cenas, tudo isso fundamenta uma potência criativa em mim.’’

 

HM – Podemos encarar de forma teatral que “NEST” foi o álbum em que o pássaro tomou coragem para sair do ninho e voar. Agora, vemos ele explorando seu ambiente de forma magistral pelas linhas que você apresenta. Já é possível vislumbrar o próximo passo? Poderíamos imaginar uma trilogia do seu processo evolutivo como produtora e artista?

Com certeza. Inclusive, já estou trabalhando neste terceiro álbum que também será lançado pela Renaissance. Já tenho todo o conceito dele desenhado na minha mente. Eu funciono melhor assim sabe? Preciso ter um norte que me motive e que vá além da música. Criar histórias, conectar conceitos, vislumbrar imagens, cenas, tudo isso fundamenta uma potência criativa em mim. Eu não me considero uma DJ, eu me considero uma artista e, como tal, exercito diferentes campos de criação e criatividade. Além de tudo, eu amo “álbuns”. Criar um álbum é criar uma narrativa com início, meio e fim. Não tem nada a ver com juntar várias músicas e fazer uma compilação. É criar a segunda música porque a primeira existe, sabe?  É explorar diferentes qualidades e habilidades como compositor sem a pressão de ter que gerar conteúdo para pista de dança. Penso que um álbum tem que ser uma obra prima, o melhor de você naquele momento! 

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Foto: divulgação

HM – Quais são as principais diferenças do processo de criação entre “NEST” e “Arias Of Sky”? O quanto você considera que evoluiu dentro do estúdio nesses quatro anos?

Sinto que a principal diferença é uma evolução técnica. Aprendi muitas coisas novas nestes quatro anos produzindo, coisas que não sabia quando compus “Nest”. Detalhes de mixagem, detalhes de composição e, até mesmo, equipamentos que antes eu não tinha. Mas ambos os processos foram prazerosos e imersivos. Em “Nest” eu tinha uma influência mais forte do trip hop em canções como “Nest”, “Urutau”, “Higher Ground” e “Queda do Ninho”.

Já em “Arias of Sky” o downtempo, o que hoje andam chamando de organic house, os sons orientais foram a minha maior influência. 

HM – Você contou com participações de outros artistas nesse trabalho?

Sim, na música “Afago” “Vast Blue Sky” tive a participação do meu grande amigo Marcelo Cotta tocando guitarras. 

HM – Este será seu primeiro álbum que contempla versão em formato vinil. Justamente em um momento em que a cultura do disco está em alta novamente. O quão importante é ter suas ondas sonoras registradas de uma forma tão singular?

Era um sonho meu. Já tive músicas minhas em compilações prensadas em vinil, mas, ter um álbum, sempre foi um sonho. De tão obcecada pela ideia de lançar este album em vinil, no final de 2019, eu comecei a bolar um plano para fazer um crowdfunding para levantar verba para isso. Mandei email para a Renaissance explicando e pedindo permissão para fazer este projeto, daí que o Marcus (C.O da gravadora) me respondeu, “mas porque um crowdfunding se nós podemos fazer isso”? [rs]. Na mesma hora pensei “tesc tesc BLANCAh, você não sabe com quem está lidando mesmo né?! [rs]. É simplesmente uma das gravadoras mais comprometidas com álbuns e vinis na vida”. [rs]

Fiquei radiante e comecei a botar em prática outra ideia que eu tinha. Meu desejo era lançar junto do vinil um livro com textos, poesias e desenhos meus. Então, convidei alguns amigos que gostam de escrever, incluindo meu pai, a interpretarem o álbum, interpretarem as músicas, e criarem livremente suas impressões sobre o que ouviam em forma de palavras. E me pus a desenhar. Quando o Covid veio mexer com o nosso mundo e dificultar a fabricação do livro, a Renaissance sugeriu que dividíssemos o álbum em três e espalhássemos os textos nas diferentes capas. Modéstia à parte, ficou tão mais tão lindo! Uma verdadeira obra de arte. 

HM – Você fala em seu relato pessoal que este álbum é um testemunho de amor a pessoas importantes da sua vida. Em tempos de amores e amizades virtuais, quão importante é preservar os contatos reais na nossa vida?

Tão importante quanto respirar! O mundo virtual deveria ser o meio, e não o fim. 

“Esse álbum é sim o meu jeito de dizer que sou contra tudo isso. Venho falar de amor, venho falar de respeito, venho falar de qualidade nas relações.”

HM – Encontrei faixas dentro do álbum que me remeteram a banda Pink Floyd e suas mensagens psicodélicas com manifestos políticos, ao establishment ou a cultura do consumismo. O momento do Brasil e do mundo te influenciou dentro deste trabalho?

Muito. Hoje, a situação política brasileira é motivo de muita angústia pra mim. A disseminação do ódio em todos os discursos raivosos, a banalização dessa brutalidade, o Brasil se tornando chacota no mundo inteiro por conta de um governo leviano e absurdamente descomprometido com a verdade dos fatos. Enfim, se for pra começar a falar eu não paro mais. Esse álbum é sim o meu jeito de dizer que sou contra tudo isso. Venho falar de amor, venho falar de respeito, venho falar de qualidade nas relações. 

HM – Vivemos na última década uma explosão exponencial de novos produtores pelo mundo após o acesso a equipamentos digitais darem voz a milhares de mentes que não poderiam nunca investir em equipamentos físicos. Entretanto, temos visto uma série de músicas e estilos se copiando. Você concorda? O quão importante é para um artista desenvolver sua própria personalidade, não apenas musical, mas artística de uma forma mais ampla?

Concordo plenamente. Não só os equipamentos estão mais acessíveis, mas temos milhares de “professores” na internet ensinando como fazer o synth do Stephan Bodzin, o techno melódico do Tale of Us, a sonoridade da Charlotte. Nas salas de aula dos cursinhos os professores dão dicas de como copiar o estilo que está no top one do Beatport. Em todo projeto existe uma track de referência no primeiro canal mutado para servir de comparativo. Ao meu ver, o problema está na metodologia. Todos ensinam você a ser parecido ou igual a alguém. E os alunos se contentam, dão pulos de alegria ao conseguirem chegar nesses resultados e emularem a sonoridade dos artistas favoritos deles.

Claro que esse processo todo é necessário e importante em um primeiro momento. Mas ninguém te ensina em como ir além disso. É por isso que cada vez mais as músicas se parecem umas com as outras. Estamos vivendo um momento super maçante, eu tenho muita dificuldade de me apaixonar pelas músicas que eu toco hoje em dia, são todas umas cópias das outras, quase nada me surpreende e a dificuldade na hora da pesquisa aumentou drasticamente. Passo horas escutando e pesquisando e no final do dia encontro menos de cinco músicas que me interessam. Mas isso, ao meu ver, também é reflexo de um fenômeno que muito pertence a música eletrônica. Essa é uma música democrática. Diria que é o único estilo no qual você não precisa saber nada de música ou teoria musical para compor. Existem muitas pessoas sem aptidão artística nenhuma fazendo música eletrônica simplesmente porque aprenderam a usar ou dominar uma ferramenta. Ser artista é outra coisa, e passa longe disso.  

“Sou mulher, sou gay. Arte sempre foi e sempre será ferramenta de revolução, seja ela uma revolução intima e pessoal, ou uma revolução social.’’

 

HM – Você costuma se manifestar em suas redes sociais sobre temas como injustiça racial, cultura LGBT ou defesa pela democracia. O quão importante é a classe artística se mostrar em momentos críticos como o que vivemos atualmente? Sabemos que muitos tem receio de perder simpatia com seus seguidores por abordar determinados temas, ainda mais em tempos de polarização extrema.

Eu entendo e compartilho deste medo as vezes. Temo os extremistas, temo os ignorantes, temo os desrespeitosos, temo os que não sabem dialogar. Mas, para mim, existe algo que fala mais forte do que o medo que sinto dessa gente. É a minha consciência de classe, sou artista! Sou mulher, sou gay. Arte sempre foi e sempre será ferramenta de revolução, seja ela uma revolução intima e pessoal, ou uma revolução social. Eu não consigo fingir que não vejo, que não sinto, ou que não me afeta. Acho triste e incoerente artistas da música eletrônica que enchem a boca para falar em underground e são a favor do Bolsonaro. Não faz sentido algum! São conceitos e filosofias que não pertencem a mesma esfera! Basta conhecer o mínimo sobre história da música eletrônica pra saber de onde ela veio e o que ela prega desde sua raiz.

No Brasil ainda “bailamos inconscientes” e não vemos problema nisso! Minhas experiências na Europa me deram uma outra percepção sobre a cultura da música eletrônica e pude perceber a quão associada ela está com a política, com a consciência ecológica, coletiva, humanitária. Existem discursos por trás de muitos coletivos e festivais. Aqui, já tive de ler comentários do tipo “pare de falar e vai fazer música” ou “adoro a sua música, mas por favor não fale de política”. O que elas não entendem é que minha arte é a minha voz, e que de um jeito ou de outro elas serão atingidas pelo meu discurso. E não, eu não vou me calar nem mudar de assunto.  

HM – Deixe um recado para nossos leitores enquanto ouvem este trabalho.

Primeiro, me doem o seu tempo. Não venha escutar o meu álbum com pressa, não passe para frente as músicas, não pule nenhuma. Apreciar exige tempo. Escolha um dia que você tenha esse tempo. Escolha um lugar sossegado e faça dele um canto de conforto, permita-se. Se você já acompanha o meu trabalho, talvez vc conheça uma outra BLANCAh nesse álbum, e está tudo bem. Se este é seu primeiro contato com a BLANCAh, seja bem-vindo. Aperte o play e voe comigo. 

 

 

 

 

 

 

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