Falamos com uma lenda do techno: Christian Smith

Por Marllon Gauche

Foto de abertura: divulgação

Da faculdade de economia para turnês ao redor do mundo. Se os números não sorriram para Christian Smith, com a música a história é bem diferente. Dono de uma das principais gravadoras de techno do mundo, a Tronic, o artista soube muito bem como explorar seu talento no tempo certo para viver integralmente de seu maior sonho. Hoje, além de seus grandes sucessos lançados pelo seu próprio selo, ele também já estrelou em outras big labels como Drumcode, Toolroom, SCI+TEC, PLUS8, Natura Viva e Bedrock, para citar algumas.

Apesar da forte presença internacional, Smith também mantém um carinho especial por nosso país, afinal, é casado com uma brasileira, já morou em São Paulo no passado e, inclusive, revelou na entrevista que acabou de comprar um apartamento na região sul do Brasil. Nesta sexta, 18, ele está de volta às nossas terras para tocar em uma gig única no Clube Inbox, em Curitiba, em noite assinada pelo núcleo Momentum, mas antes tivemos um bate-papo super descontraído e inspirador com o artista!

HM – Olá, Christian! Tudo bem? É um prazer e uma honra falar com você. Como você lida com a posição de estar entre um dos principais nomes do techno mundial? Isso passa pela sua cabeça em alguns momentos?

Estou muito bem, obrigado! Sentado no hotel em Buenos Aires neste momento. Tive uma gig aqui na noite de domingo onde toquei até às 8 horas da manhã. Foi louco e estou um pouco de ressaca. Voltando a sua pergunta, não penso nessas coisas, pois elas não são importantes para mim. Estou na indústria do techno há mais de 20 anos, sempre segui a minha paixão.

Nos últimos anos, minha gravadora Tronic se tornou muito popular novamente. Também temos uma residência semanal em Ibiza e fazemos eventos da Tronic em todo o mundo. As coisas estão realmente boas no momento. Mas isso pode mudar muito rápido. É importante sempre trabalhar duro e manter seu perfil. Sou muito grato por fazer o que amo e poder viajar pelo mundo anualmente.

HM – Você mantém uma carreira desde os anos 90, passando por todas as transformações do cenário eletrônico, de equipamentos analógicos para digitais, vinil para mp3/wav e por aí vai. Você acredita que seu som “melhorou” ou se transformou com todas as possibilidades e “facilidades” que temos atualmente para produzir?

Antigamente, as coisas eram mais cruas. Os DJs tocavam em vinil, a maioria dos clubs não tinham sound system’s tão bons e os mixers eram ruins. Aproveitei no início, mas, sendo totalmente sincero, também gosto do avanço tecnológico e da cena atual. No final dos anos 90, quando comecei a fazer turnês, eu viajava com duas bolsas de discos, cada uma pesando 25kg. Era uma dor de cabeça transportá-las pelos aeroportos, muitas vezes as companhias aéreas até as perdiam e você tinha que tocar com os discos de outra pessoa – o que sempre foi horrível [risos].

Isso não é mais um problema. Tenho 3-4 USBs em lugares diferentes, então estou sempre seguro para fazer meus sets. No que diz respeito à qualidade do som analógico x digital, prefiro o digital. Se você tiver um bom soundsystem, pode entregar músicas muito mais poderosas.

HM – Já que estamos falando sobre produção: você é headlabel de uma das maiores gravadoras de techno do mundo. Certamente a Tronic te ajudou a brilhar ainda mais no cenário. Você acredita que produzir sua própria música é essencial para um artista hoje em dia?

Essa é uma ótima pergunta! Eu acho que lançar música regularmente é essencial para artistas que não estão estabelecidos. É claro que ser o headlabel da Tronic me ajudou, mas eu lanço em outras gravadoras de vez em quando. Nos últimos anos, lancei na Drumcode, Plus 8 e Bedrock, fora a Tronic. Se você quer se tornar um artista que faz turnês internacionais, é super importante fazer música. Se você não produzir, como as pessoas irão se interessar por você em diferentes países?

Lançar música é como ter um cartão de visita global. Já lancei mais de 100 singles e vários álbuns, mas recentemente decidi que vou focar em lançar menos e trabalhar lançamentos maiores. Tenho a sorte de estar em uma posição em que não preciso mais lançar mensalmente. Porém ainda amo produzir, por isso ainda lanço de dois a três singles por ano e alguns remixes.

HM – Aproveitando, ainda sobre a Tronic: como é o processo de curadoria do que é e não é lançado na gravadora? Você ainda faz parte deste disso? Ao que você credita o sucesso do selo ao longo dos anos?

Eu acho que a coisa mais importante para quem comanda uma gravadora é decidir que música será assinada. No segundo em que eu parar de fazer isso e dar essa responsabilidade a outra pessoa, a gravadora perderá sua identidade. Eu tento dificultar o acesso das pessoas a mim, mas mesmo sem nenhum endereço de e-mail público para demos, ainda recebo aproximadamente 100 demos por semana. Se as pessoas são sérias, encontrarão uma forma de me alcançar.

Tenho uma manager que trabalha em período integral para a Tronic. Ela me envia uma pasta no dropbox toda semana e eu passo por todas as demos. Muitas vezes, é um processo chato, principalmente quando as demos são ruins, mas dou conselhos sobre como o artista pode melhorar suas faixas para que se encaixem na Tronic. Acho que o sucesso da longevidade da Tronic se deve a eu não ser purista e não ter medo de tentar coisas novas. Conseguir evoluir me manteve apaixonado pelo trabalho com a gravadora. É muito gratificante ver que posso ajudar a carreira de outros artistas com a gravadora e os eventos.

HM – Existe uma relação bem forte sua com o Brasil, inclusive você morou aqui por alguns anos, certo? O que você enxerga de diferente desde as primeiras vezes que tocou por aqui até a sua última?

Me mudei para São Paulo por volta de 2009 e fiquei alguns anos. Minha esposa é brasileira e eu gostei muito de morar no Brasil. Decidi voltar para a Europa porque era difícil conciliar com as gigs, eu tinha que voar para a Europa todos os meses. Claro que também toquei muito na América do Sul, mas muitos dos clubs e eventos importantes estão na Europa. Depois que voltei pra lá, vim algumas vezes para o Brasil, mas quando estou na América do Sul, toco principalmente na Argentina, Chile e Colômbia. Mas isso vai mudar, parece que o Brasil gosta de techno novamente. Acabei de comprar um apartamento na Praia Brava, no sul do Brasil.

Com relação à cena, sinto que o Brasil evoluiu muito bem. Os eventos em galpões estão de volta e a EDM perdeu boa parte da sua base de fãs, trazendo mais pessoas à cena underground. Lembro da primeira vez que toquei no país, em 1999, havia muitos eventos ilegais ao ar livre na época. Era muito divertido. Eu amo o Brasil e tentarei vir algumas semanas do ano para tocar, além de apreciar a cultura e a comida. Como sou gringo, também adoro caipirinhas!

HM – Trabalhar como DJ exige bastante de um artista, viagens, conexões em aeroportos, sono muitas vezes desregulado. Como você busca manter sua saúde em dia e as coisas equilibradas durante uma turnê?

Fazer turnês 12 meses por ano não é fácil. Faço isso há mais de 20 anos e me acostumei. Porém, você precisa ser forte. Parece glamouroso do lado de fora, mas estar sempre voando, não conseguir ver sua família e amigos pode ser difícil às vezes. O jetlag é apenas uma parte disso. Tento equilibrar minha rotina passando a maior parte do verão europeu apenas na Europa, não estando longe de casa por mais de dois fins de semana seguidos. No momento, estou passando por três fins de semana seguidos, mas isso é raro, acontece uma ou duas vezes por ano.

HM – E quais são as novidades que podemos esperar de Christian Smith? Você já tem três álbuns lançados, muitas collabs no catálogo. Quais serão seus próximos passos? Obrigado pela conversa!

Apenas seguir com o que eu amo. Acabei de terminar cinco faixas novas e alguns remixes. Não tenho certeza por onde serão lançados ainda. Também estou começando a planejar a próxima temporada de Ibiza. Faremos 20 semanas seguidas, o que exige muito planejamento e estratégia. Também estou muito animado para os dois eventos da Tronic no Japão, em novembro. Por fim, estou muito ansioso para a minha turnê sul-americana de três semanas, além de passar o natal e possivelmente ano novo no Brasil. 

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