Review: Warung Day Festival 5ª edição

Por Jonas Fachi
Edição e revisão Alexandre Albini
Fotos Ebraim Martini e Gustavo Remor

O Warung Day Festival chegou a sua quinta edição formulando novamente uma conexão de sucesso com a Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba. A cidade cosmopolita, referência no país em práticas de urbanização sustentável, se alinha perfeitamente com a proposta do club em Itajaí, detendo um cenário ideal para um evento capaz de fazer frente ao templo da Praia Brava.

O dia 14 de abril de 2018 amanheceu cinzento em Curitiba, e os portões se abriram ainda pela manhã, às 11h. Essa antecipação era uma clara tentativa de fazer um público que viria a ser recorde (14 mil pessoas) de se distribuir homogeneamente em todo o espaço. Outra medida tomada pela organização foi adiantar a apresentação de artistas internacionais de grande apelo, como no caso de Ryan Elliot, que iniciou o set às 15:30h.

Adentrei o festival por volta de 14:30h. Neste momento estava levemente garoando, mas nada que comprometesse a empolgação de fazer parte de um encontro de tamanha magnitude para a cena Sul do país. São poucas às vezes possíveis de se reunir tantas gerações de clubbers e poder ainda rever amigos de várias épocas de mais de dez anos de pista.

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Após fazer algumas aquisições nos caixas ambulantes, comecei a circular para conferir os novos detalhes estruturais do festival, que, diga-se de passagem, estavam ainda melhores que no último ano. Vale destacar que o espaço e decoração foram pensados para facilitar e dar qualidade aos participantes. Direcionei-me para o Garden onde Lost Desert iniciava o set. Olhando ao redor, era interessante perceber que todas as pistas já apresentavam público consistente. O carisma de Lost, somado a sua clássica sonoridade levemente melódica e dançante, foi perfeito para o momento.

Em seguida, fui para o Warung Stage e consegui pegar os 15 minutos finais do Leozinho. Por sorte tive a chance de ouvir das mãos dele, no encerramento do set, a minha música favorita da série Involver de Sasha: “These Days”, de Peter, com um brilhante mashup de “What Are You to Me”, da banda Unkle. Era o primeiro sinal do sentimento que iria se apresentar na pista mais tarde e uma oportunidade de estar no mesmo palco que as lendas Sasha & John Digweed.

A catarinense Blancah assume evidenciando sua evolução como comandante de uma pista de dança, nesse caso, das mais difíceis e intimadoras para se tocar. Em um live composto de músicas autorais, expressou seu ritmo característico sem deixar-se entrar em momentos muito obscuros. O momento mais esperado foi em “Talus”, composição que recebeu remix de ninguém menos que Hernan Cattaneo.

Após uma hora, segui novamente para o Garden na esperança de ver se quem estaria no comando da pista seria Lee Burridge — outra figura da velha guarda que se reinventou nos últimos anos e é sempre esperado. Porém, quem assume foi YokoO, um dos mais destacados integrantes do All Day I Dream, trazendo um set orgânico composto por elementos tribais e muitos vocais em referência ao Mantra. A pista montada a beira do lago, e com uma pequena cachoeira que surge em meio ao paredão de pedras, é um dos espaços mais belos do festival.

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Às 18h resolvo fazer uma pausa para comer no espaço dos food trucks, logo no acesso principal do evento. Às 18:30h o israelense Guy J passa a comandar o Warung Stage, o maior palco do evento, que contava com diversos bares, camarotes e um grande backstage que formavam um coliseu ao redor da pista central. Revelado por John Digweed, tornou-se um dos produtores mais respeitados da última década. Era, talvez, o nome que todos gostariam de ver antes do show principal, e ele não decepcionou.

Assim que a escuridão tomou conta da pista, foi o momento ideal para o “baixinho” dar as cartas. Todos sabem que diante de pistas tão pesadas, muitas vezes os artistas precisam ajustar o set, excluindo faixas com break longos ou muito imersivas. Guy J fez isso, mas sem perder sua carga de emoção e profundidade. Entre as diversas faixas que eu poderia destacar, gostaria de citar duas: “Pistolwhip”, de Joshua Ryan, em um remix que, na minha opinião, foi o ápice do set, energizando a pista por completo; e “Fixation” — um dos maiores clássicos do artista lançado pela Bedrock —, no final da apresentação, comovendo e surpreendendo a todos.

Já se aproximava das 21h quando finalmente Sasha e John Digweed surgem. Ficou evidente a emoção de Guy J em recebê-los para assumir o comando. Eu estava a dez metros do palco, juntamente de algumas das melhores pessoas que já conheci. Nada poderia dar errado.

Chegava a grande hora. Após longo período de um sonho que parecia ter se perdido, forças eram somadas para se desenhar o cenário ideal capaz de recebê-los com uma estrutura e público a altura de seus nomes. Foram necessários quinze anos de cena clubber e cinco edições de um dos melhores festivais da América do Sul educando um público que se renovava constantemente para, enfim, poder contar com a dupla em um evento do Warung. A expressão “dream come true” estava prestes a ser riscada da cena sulista, com todos os personagens que chegavam a Pedreira imaginando como eles iriam iniciar e conduzir essa jornada musical de quatro horas e, principalmente, como corresponderiam à tamanha expectativa.

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A abertura é feita com “Crazy Diamond”, uma obra prima através da parceria de John Digweed, Nick Muir, Eagle & Butterflies. Sua melodia é uma clara homenagem ao clássico da banda Pink Floyd, que leva o mesmo nome. Devo fazer um parêntese aqui para informar que irei me auxiliar de músicas identificadas que podem ilustrar de forma didática a compreensão de um todo musical. A meia hora inicial é comandada por John de forma magistral, mantendo o ritmo em baixa velocidade. Sasha entra e logo na primeira faixa traz para o jogo alguma profundidade.

Eles estavam intercalando sessões de duas músicas com muito cuidado e impressionando a cada nova virada. Era o cartão de visitas do famoso brilhantismo técnico que possuem. Mesmo numa pista tão grande, realizar uma primeira hora descompromissada, com os ritmos baixos e ainda fazendo o público dançar, foi algo que jamais pensei ser possível fora do ambiente clubber. É preciso mencionar faixas como “Journey Into Light”, de Pale Blue; seguida de uma das músicas mais bonitas de todo set, em uma mixagem desconcertante de Sasha: “Zebra”, de Olivier Weiter & Alex Pedra e remix de Einmusik. “Virala”, de Trikk, fechou a hora inaugural dando o tom do desse primeiro ato.

A segunda hora ganha um pouco mais de dramaticidade e abertura para sons ritmados e viajantes, à exemplo de ‘’Kamakura’’, de Musumeci. Percebe-se com isso, ao chegar na terceira hora, o quão bem pensado e elaborado era o set que eles estavam moldando. Como eu havia imaginado, eles jamais iriam pular etapas e sim respeitar a construção progressiva de ritmo. Era o momento de apresentarem algumas faixas mais obscuras e de maior apelo aos processadores de efeito. Nessa hora os grandes destaques ficam por conta de “Sand Your Shoes”, de Artbat & Dino Lenny, em um vocal que remete aos clássicos de house progressive; além de “Patchouli”, de Denis Horvat.

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Em meio a tanta informação e interação entre amigos sobre as impressões, já comecei a imaginar que a última hora seria o momento em que eles entrariam de vez na melhor forma rítmica, precisando então de mais tempo para se formar um set um pouco mais eufórico. Voltar a tocar b2b após um hiato de seis anos, e com a amplitude contemporânea que possuem, não é simples. Ainda assim, era incrível perceber as semelhanças do som que estavam apresentando ali, diante de nossos ouvidos, com álbuns consagrados dos anos 90 como Northern Exposure e The Mix Colletion — ambos compilados em conjunto. Quando você se dá conta que, por mais que o tempo passe a as estruturas e formas de produzir evoluam, os dois já sabiam o que queriam desde o início, fica certo que eles realmente detêm um conhecimento musical que hoje é muito difícil de alcançar.

Depois de tantos anos, não pender para tendências passageiras é uma vitória, e se adaptar ao que está disponível no universo musical é imprescindível. Por isso, sonoridades mais limpas, com menos arranjos de baterias e baixos rápidos que flertam com o techno são apresentadas na hora final, e que hora! Faixas como “Make Me”, de Sentre (ID remix), e a incrível “Five”, de Kink, descrevem isso com perfeição.

Na última meia hora, a entrega foi para momentos mais emocionais. Uma grande homenagem de John a Guy J veio com “Lamur”, faixa lançada pelo israelense em 2011, pela Bedrock. “Opal”, de Bicep e remix de Four Tet, faz todos se reunirem na mesma energia enquanto Sasha, visivelmente emocionado, levanta o dedo para cima em sua tradicional forma de interagir com o público. Era o final, entretanto, John ainda tinha mais uma arma guardada, e que faria todos entrarem em euforia. “Close Your Eyes”, de Luke Brancaccio e Simon Berry, que com apenas um loop no vocal que leva o nome da faixa, voltou à memória dos mais atentos e relembrou um dos maiores clássicos da história do house progressivo: “Forget The Word”, de John Creamer e Stephane K.

Saindo da Pedreira a sensação era de que finalmente nossa cena estava emancipada e definitivamente pode ser colocada entre as mais importantes do mundo. Temos um club lendário e um festival do mais alto nível que se equipara com os melhores. O desejo é apenas um: vida longa a tudo isso! 

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