A nova tentativa de apropriação do house progressivo

O retorno do Swedish House Mafia trouxe à tona uma discussão que parecia resolvida com as mudanças promovidas pelo Beatport em 2016

Por Equipe House Mag

Não há dúvidas: o momento mais comentado durante o Ultra Miami 2018 foi o retorno do Swedish House Mafia. Axwell, Steve Angello e Sebastian Ingrosso, após um hiato de cinco anos, subiram ao palco do festival e viraram o assunto da semana dentro do movimento pop eletrônico. O trio sueco possui uma extensa carreira de lançamentos e já inspirou uma série de novos artistas. Muitos comemoraram no Twitter este acontecimento; mas duas postagens de nomes conhecidos chamaram atenção da mídia, o que me fez escrever sobre o assunto.

ARTY publicou: “O progressive house acaba de voltar.” Outro nome, Crankdat descreveu: “A música eletrônica verá mudanças por causa disso. Foda, estou muito empolgado…, seja pelo retorno do progressive house ao mainstream, ou a apreciação da volta de uma dance music mais instrumentada… Esse set vai ser muito importante. É o SHM, baby!”

Apenas os dois artistas fizeram essa correlação, porém, o assunto tem ganhado projeção e parece novamente abrir uma porta que parecia selada. Na comunidade conceitual, a vertente é seguida por milhares de fãs mundo afora desde a criação, ainda no início dos anos 90. Assim como o techno de Detroit e o house de Chicago, o estilo desenvolvido no Reino Unido é um dos mais complexos e difíceis de se produzir, por envolver uma série de capacidades musicais distintas, em que melodias ou elementos obscuros, linhas de baixo e harmônicos, devem funcionar como uma banda.

Sasha e John Digweed, considerados “pais” deste movimento, iniciaram em Manchester o que viria a influenciar gerações de clubbers e DJs. Em 1994, produziram a primeira compilação da lendária gravadora Renaissance, através do CD The Mix Collection. Outros artistas ingleses como Nick Warren, Danny Howells, Dave Seaman e Darren Emerson surgiram em seguida ajudando a levar esta sonoridade para o resto do mundo. Ao mesmo tempo, Hernan Cattaneo, na Argentina, e Timo Maas, na Alemanha, se juntaram aos britânicos para dominar as pistas, ganhando seguidores fiéis até hoje.

Com as devidas explicações de maneira resumida, você poderia se perguntar: Por que então esses caras do movimento mainstream falam em “retorno do progressive house”? O que significa? Ao mesmo tempo que tais afirmações são vazias, quando levamos em conta toda a história, é algo que também diz sobre o que pode estar acontecendo no cenário. Artistas e público parecem saturados de músicas superficiais, em que o show pirotécnico e o microfone na mão são indispensáveis para a pista conseguir funcionar.

Após a explosão norte-americana do que convencionou-se chamar de “EDM”, com Hardwell, Calvin Harris e outros que já possuíam longa carreira na cena, à exemplo de David Guetta e o próprio SHM, estes artistas viram a oportunidade de embarcar numa onda pop e trabalhar na porta de entrada de um novo público sedento por música eletrônica. Até aí tudo bem, pois todos têm direito de escolherem seus caminhos, o que acaba sendo importante para trazer mais consumidores ao segmento.

A grande questão, entretanto, é a rapidez com que este fenômeno se apresentou a partir de 2010, e a incapacidade do mercado em processar um novo estilo — nem mesmo havia um subgênero definido no Beatport. Por isso, alguns resolveram lançar estes sons como progressive house, transformando uma seção que era estritamente relacionada a músicas cerebrais e imersivas em algo que fugia das características originais do gênero [leia mais sobre isso aqui]. Os artistas mais puritanos se viram então obrigados a procurar outros espaços, como deep house ou tech house, para que seus seguidores os encontrassem nos lançamentos de músicas e álbuns. Isto perdurou até 2016, quando finalmente foram criados espaços para a cena mainstream, como big room, future house e dance, além da renovação completa de deep house, house e progressive house [episódio abordado com mais profundidade neste texto].

Aos poucos, produtores conceituais voltaram para esta seção dentro do Beatport e hoje encontramos Guy J, Eekle Kleijn, Khen, Guy Mantzur, 16 Bit Lolitas e muitos outros de uma nova geração figurando entre os mais vendidos. Outro ponto importante é que, coincidentemente ou não, na metade de março foi criado um novo gênero para vendas [leia aqui sobre]. O melodic house e techno veio como uma forma de agradar um outro lado importante da cena, representado por Dixon, Mano Le Tough e Maceo Plex, que mesmo tendo músicas que se encaixam nas características do house progressivo — com menos profundidade, é verdade — não se sentiam à vontade em lança-las como tal. Essa foi a versão dada pelo próprio portal, e que pareceu razoável à primeira vista. 

Porém, esse retorno do trio e uma possível tentativa do universo mainstream em tomar para si novamente um estilo que nunca lhes pertenceu, pode estar relacionado com a antecipação do portal em criar outro espaço. Movimentos ensaiados ou não, só o tempo dirá. O SHM lançará no big room? A lógica diz que sim, pois é lá que devem estar. Olhando de um aspecto mais distante, parece haver uma tentativa de “efeito manada” — à dos citados no início. Ou seja, quando se publica para milhares de seguidores uma ideia e esta rapidamente se espalha pelas redes sociais como verdade, isso acaba criando o resultado desejado pela força da repetição.

De toda forma, qualquer um que tenha conhecimento razoável sobre história da dance music sabe que “buscar algo novo para vender aos fãs de primeira viagem” é uma prática bem antiga. Vale lembrar, portanto, que o progressive house é um só. Assim sendo, torço para que tudo se mantenha como tem ocorrido após as mudanças promovidas pelo Beatport e que isso não passe de uma confusão sem fundamento com a realidade atual — o que tem aparentado ser, de fato.

*Em tempo: o termo “pop” utilizado no texto se refere a sonoridades de ampla popularidade, e não especificamente ao gênero musical pop-music. A fim de evitar mal entendidos conceituais (os quais são compreensíveis), decidimos alterar para “mainstream”, que melhor define o contexto que queríamos conceituar.

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