Por Dada Scáthach
Foto de abertura: Milena Nonsense performando na Carnavala 2020 por Oranduu
Só quem já foi em uma MASTERplano sabe a energia que a festa carrega por onde passa. O êxtase nasce desde o começo da criação de looks icônicos no “esquenta” de cada casa, atravessa a cidade dentro de um Uber e se depara com visuais que superam a edição anterior do rolê. Muitas luzes, direções e ereções. Gente local e de fora. O caldeirão borbulhante com as mais variadas pautas, como identidade de gênero, sexualidade, ocupação de territórios, inovações na produção e – além de tudo – música, ferve e mistura tudo, como se a pista fosse palco para um verdadeiro Sabbat, onde bruxas conduzem a preparação de sabores únicos. Agora, com a pandemia causada pelo novo coronavírus, a festa busca maneiras de articular o front através de novos planos: os virtuais.
A invasão masterplena começou em 2015, na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e hoje conta com a liderança feminina e queer de nove integrantes: Ariana Miliorini (fundadora da plataforma de mixes e sons experimentais A-MIG), Belisa Murta (que promove atividades com a comunidade e já passou por festas como CAPSLOCK e KUBIK) , Carolina Mattos (entre as pioneiras da Sintetica e residente da Mamba Negra), João Nogueira (residente do Deputamadre Club e produtor da Deturpa), Lu Scarbe (co-fundadora do coletivo de artistas negres AYO), Pedro Pedro (produtor e DJ do coletivo, com passagem no Sarará e Virada Cultural de BH), Romana Abreu (que produz e toca no rolê, também sendo uma das co-fundadoras da A-MIG, já tocou com Badsista e L_cio), Sóstenes Reis (cuja paixão pela américa latina levou seus sets até festas como Mientras Dura e o Festival Cenas Curtas) e Vítor Lagoeiro (que viu a Master nascer na sua própria casa, em Ouro Preto, e também já tocou em clubs como Dalston Superstore e Wilden Renate).
Carol Mattos e Sosti na Reclamação da Repúblik – Foto: Dayane Gomes
O grupo, que já deixou rastros memoráveis no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, Florianópolis, Costa do Marfim, Mato Grosso, Cuiabá, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Barcelona, Berlin, promove, também, desde 2017, dates para dialogar sobre meios de articular e inovar a produção; o MONSTRAf il m e s; rodas de conversa; workshops e sessões de cinema, dentre esses a palestra com Andreas Barthelmes (Lightlife, Berlim), o debate com o tema “de que são feitos os rolês?” no Centro de Referência da Juventude em Belo Horizonte e a mesa aberta sobre o desenvolvimento de festas seguras para mulheres.
A fim de democratizar o acesso a pesquisas em música e arte, a MASTERplano promove os eventos intercalando entre pagos e gratuitos, sempre em locais de referência para a comunidade, como a Fábrica e o NECUP, também levando em consideração a acessibilidade aos espaços, a vizinhança, bares parceiros e produtores locais. A céu aberto ou em ambientes indoor, as festas ressignificam os espaços e os coroam com line-ups impecáveis e inesquecíveis – como o b2b da Belisa com João Nogueira, na edição da Arena Mirante em comemoração do aniversário de quatro anos em 2019. O sol quente deu “bom dia” aos clubbers e o set pesado da dupla não perdoou ninguém.
“Já fizemos festas menores e outras maiores. E nos interessa a possibilidade da festa variar seus formatos. Nós não temos muito esse fetiche com números. Mas, de uma forma geral, na rua não tem como saber com precisão o público porque esse registro simplesmente não existe, é sempre uma estimativa. Nas festas fechadas, onde existe mais controle nesse sentido, já fizemos edições mais compactas com 500 pessoas e até edições maiores com 2.300 pessoas”.
MASTERplano na Bodas de Fritas em 2019 – Foto: Oranduu
Cada festa, no centro ou no morro, suscita provocações, confunde o entorno e desprende o público da normatividade, levando-o a uma outra realidade, mais lúdica, mais vibrante, repleta de performances, instalações, acid, synth wave, house, trance e outros ritmos, onde a experiência significa também libertação e conquista.
“O coletivo pensa com muito cuidado na experiência estética que cada projeto pretende compartilhar com o público. E sabemos que isso não se garante somente com a música. Então sempre estamos convidando colaboradores que contribuem nesse sentido, seja no design gráfico, na produção de vídeos, VJs e também performers”. Além de parcerias com outros coletivos, como Mamba Negra, Teto Preto, Gop Tun, Caldo e Metanol, também constrói com grandes nomes da música, como Honey Dijon, Ross from Friends, DJs Pareja e Aérea Negrot, e artistas como Ana Gama (design gráfico), Guilherme Teccianelli (design gráfico), Kakubo (design gráfico), Ítalo Almeida/cmg_ngm_pod (video), Dayane Tropicaos (vídeo), Randolpho Lamounier (video), Lilith Evil (performance), Eli Nunes (performance), Dada Scáthach (performance), As Talavistas (performance), Juhlia Santos (performance), Loïc Koutana (performance), Alma Negrot (performance), Ramiel2000 (performance), Miss Immigration (performance), Isma (instalação), Willa Queer (performance), Pintorosa (performance), Clarissa Lasertits (performance), Lázaro Chapinha (performance), Coletivo Transborda (performance), Rezmorah (performance), Lázara dos Anjos (performance), Maria Teresa (performance), Iuri Lis (instalação) e MIR (iluminação).
Dada Scáthach performando na Bodas de Fritas e Annyl Linna na CARNAVALA 2020 – Foto: Oranduu
Dificuldades e contratempos também são comuns “Assim como tudo na MASTERplano, a curadoria é decidida coletivamente. Somos nove pessoas com ideias e trajetórias distintas, então muitas vezes é desafiador alinhar todos os desejos na curadoria em um único evento. Temos algumas decisões que são conceituais e, portanto, são coletivas. Por outro lado, temos algumas demandas que são operacionais e para essas a gente divide as tarefas em grupos de trabalho ou então contratando pessoas de fora do coletivo quando o evento tem receita suficiente. Nas decisões conceituais, todo mundo quer participar […] aí mora o maior desafio. Mas se o coletivo fosse hierarquizado e deixasse de compartilhar essas questões, perderíamos boa parte do espírito de `fazer junto` e da diversidade dos caminhos que tomamos. Ambos nos acompanham desde o começo e faz com que todas as pessoas do coletivo se sintam envolvidas e contempladas pelos nossos projetos e conquistas.”
CARNAVALA 2020 – Fotos: Oranduu
A desordem e o retrocesso na política brasileira não impedem que a festa continue se envolvendo em projetos marcantes. Uma cena que nasceu da resistência, hoje se mostra ainda mais forte ao se reinventar diante de uma pandemia. A celebração de cinco anos de MASTER ousou em se fazer de um jeito completamente diferente, e contou com um line de mais de 20 artistas – com direito a DJ mandando ver na pia do banheiro, arrebentando a fibra ótica nacional e internacional através da Shotgun Live num set sinistro. A ChromaKeyla Tour também teve apoio de produtores locais de bebida.
Como alternativa para quem curte se movimentar em casa com drinks na mão durante o isolamento, o coletivo participará da Veneno Live (@veneno.live) nas quartas e sextas-feiras de julho e agosto, às 20h, e já definiu a URL de um novo festival ainda por vir. “Esse é um ano especial para nós porque finalmente vamos realizar o sonho de fazer um festival. Desde 2017, estamos construindo o projeto Clubbers da Esquina, que é um festival idealizado pela MASTERplano e financiado por meio da Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O festival articula música eletrônica, tecnologia e educação com a realização de oficinas, aulas públicas, performances e dois dias de festa com um line up de todas as regiões no Brasil”.
Sim, o nome do festival é uma referência direta ao Clube da Esquina, movimento que marcou fortemente a cultura musical de Belo Horizonte e do Brasil. Agora, o Clubbers da Esquina celebra e atualiza o cenário contemporâneo de música eletrônica de BH que ocupa espaços públicos, edifícios ociosos e casas noturnas, construindo cada vez mais espaços diversos, democráticos, críticos, divertidos e acessíveis.
O festival foi desenhado para acontecer presencialmente em diversos espaços de Belo Horizonte. Entretanto, devido à pandemia do Covid-19, resolvemos adaptar o seu formato para acontecer gratuitamente na internet, uma vez que não sabemos quando poderemos aglomerar novamente. Essa é uma forma que encontramos para promover cultura e educação durante um dos momentos mais difíceis que a nossa cena já enfrentou. Em breve vamos lançar mais informações.”
Masterplano showcase @ KUBIK BH em 2017 – Foto: Carlos Oliveira e Vitor Jabour
MASTERcuriosidade
“Na primeira festa que fizemos no bar Família Miranda, em 2015, que teve o inflável, nós não divulgamos o endereço da festa. As pessoas chegavam no endereço que estava escrito no evento e lá tinha uma pista para ir para o endereço correto. Isso era uma maneira de despistar o local, mas ficou tão cheio, que isso perdeu o controle e as pessoas começaram a divulgar no endereço da festa no evento. Mas, o mais engraçado, foi que ano passado, 2019, alguém da MASTERplano compartilhou o flyer antigo com esse endereço e algumas pessoas acharam que era um chamado para uma festa e acabaram indo pro local na hora marcada. Recebemos alguns áudios muito engraçados das pessoas falando `eu tô aqui no endereço, que horas começa? Por que não tem ninguém aqui?`”, conta Belisa Murta.