Liminal: uma agência com os pés firmes no chão e os olhos fixos no horizonte

Por Chico Cornejo

Foto de abertura: divulgação

Se há uma mudança que transformou radicalmente o cenário profissional brasileiro da música eletrônica nos últimos anos foi a consolidação das agências independentes. Elas seguiram no fulcro da expansão de eventos afins após a pulverização que seguiu ao ocaso das grandes marcas e conglomerados de representação artística.

E, guardadas as devidas proporções por ser algo relativamente restrito ao âmbito menos comercializado desse panorama, poucas empreitadas tiveram o êxito e a consistência que a Liminal conseguiu atingir em um relativamente curto período, dentro do qual conseguiu impactar sensivelmente o mercado. Fruto de um plano bem desenhado de antemão e seguido na medida do possível por sua fundadora Larissa Correia, baseando-se na experiência que acumulou atuando nas mais variadas frentes que compõem praticamente tudo que é necessário para que essa mágica relação entre artista e público torne-se realidade da melhor forma possível. 

Aqui ela conversa brevemente conosco a respeito dessa trajetória e dos rumos da agência e da cena como um todo, além de como tem desempenhado um papel crucial na integração da pulverizada cena latino-americana. Lembrando que no dia 28 de setembro, um de seus principais artistas, Ben Klock, traz pela primeira vez a sua label, Photon, para a América Latina, por meio do núcleo Tantsa.

HM – A Liminal agora completa alguns anos no mercado, nos quais alcançou um crescimento consistente e constante. De fora, tudo parece simples e tranquilo, embora esteja bem longe disso. Nesse período, quais foram os maiores desafios para chegar onde está?

Ela completa agora quatro anos, mas começou a vicejar de verdade nos últimos dois, muito em decorrência das flutuações de um panorama econômico bem mais amplo, de um escopo maior de atuação. Por isso, dá para dizer que o maior desafio foi chegar a uma coordenação abrangente que atendesse às exigências de todos os clientes e entendesse as peculiaridades de cada mercado. Foram necessários alguns ajustes em vários aspectos do processo de trabalho para englobar tudo isso, mas aqui estamos afinal.

HM – Houve um claro aprimoramento do mercado nesse período em termos de diversidade e competitividade. Mas, houve um amadurecimento também, especialmente em termos de cultura empresarial e curatorial?

Sem dúvida alguma! Muitas coisas se desenvolveram para chegar a um patamar que fosse compatível com as diversas realidades com que lidamos no dia a dia, tipo o processo correto de contratação, remessas de divisas, questões operacionais, entre tantas outras. Não vou dizer que uma certa mentalidade arcaica que atrapalha um pouco as coisas tenha desaparecido por completo, mas saber lidar com ela é parte do nosso diferencial. Mas vale dizer, ainda assim, que há um melhor entendimento da burocracia e das minúcias que ela implica. O próprio ambiente artístico continental, agora, mais competitivo e interconectado, fez com que percebessem isso, profissionalização bem maior e mais intensa.

No âmbito de curadoria, tem muita gente que ainda pensa em resultados se baseando puramente em algoritmos, e isso atrapalha na evolução de tudo que é propriamente artístico.  A popularização do techno acabou ajudando e forçando algumas mudanças e nesse nicho tem um relativo impulso midiático que ajuda a divulgar nossos artistas e seu som.

HM – Já que entramos nesse tópico, falemos de curadoria. Já que também é uma das dimensões do que você faz, especialmente se considerarmos um festival da magnitude do DGTL e mesmo outros eventos nos quais atuou nesse sentido, como ele se interpenetra com as outras facetas do seu trabalho? É mais difícil ou mais fácil estar em todos os lados do balcão? Há tanto potencial para conflito como pode-se imaginar ou é justamente mitigá-lo que é a parte essencial do seu trabalho?

Meu trabalho sempre foi essa trinca, foi o trabalho que desenvolvi através dos anos e no qual me esmerei para compreender seus princípios e, eventualmente, aprender como tudo opera. E se há algo essencial que aprendi, foi que conflitos só existem quando deixamos que eles apareçam.

Daí que você também entende que cumprir todas as expectativas é complexo, mas é justamente o esforço que faz do seu trabalho algo único. Não tem como agradar a todos e, por vezes, algumas frustrações rolam, principalmente quando artistas podem tocar em certos eventos nos quais contribuo com esse trabalho. Mas a compatibilidade é algo fundamental e, no final, faço tudo pensando no que é melhor para todos.

60632347_2163469457099070_8144926347492327424_o_500
DGTL São Paulo – Fernando Sigma

HM – Quanto ao método ou as decisões a serem tomadas, há alguma correlação com a montagem de um roster?

Em relação à agência, tem uma lógica interna que rege todos os processos decisórios em termos de quais e quantos artistas representamos. Ela tem a ver primordialmente com a capacidade que temos de poder trabalhar bem com cada um deles, além de uma certa identidade sonora com a qual nos sentimos confortáveis trabalhando. 

O êxito da agência é algo muito importante para todos os envolvidos. Temos muitas questões a serem levadas em consideração, sonhos e aspirações de muita gente, então não é uma opção sobrecarregá-la.

HM – Artisticamente, a Liminal representa uma sonoridade bastante rica, ainda que relativamente específica em certo sentido. Como é procurar manter esse equilíbrio entre representatividade e diversidade? Isto se tornar mais complexo quando um gênero, como o techno, por exemplo, ganha maior proeminência comercial?

Os artistas em si já são bastante ecléticos e é essa mesma versatilidade entre nossos talentos que nos coloca em vantagem, independente do hype ou modismos passageiros, de modo duradouro.Acho que é uma questão de como se encara essa cultura, vendo-a além de um mercado ou apenas como uma fonte de lucro, e isso exige entendê-la a partir de uma perspectiva mais sustentável para todos. 
 
HM – Uma das características mais inovadoras e impressionantes da Liminal sem dúvida é a integração de artistas e clientela que não se restringem apenas ao escopo nacional ou internacional. Isso é feito regionalmente, articulando o mercado continental. Parece mais complexo do que é ou realmente envolve tantas minúcias, fusos e ansiedades suficientes para deixar a semana de qualquer um repleta de dramas e aventuras?

É de fato muito mais complexo do que parece e justamente por todos esses fatores que você apontou. Ademais, tem a questão do idioma, volumes variados de demanda e particularidades muito próprias a cada território. Em alguns países tenho de lidar com diversos promoters de inúmeras partes, já em outros, o fluxo é bem mais reduzido. Quanto a dramas, eu não gosto de deixar nenhum rolar, não tenho tempo e não temos espaço para eles. 

HM – Afinal, há alguma base operacional geograficamente localizada para a Liminal? Hoje em dia esse é um conceito bastante obsoleto, dada a mobilidade com a qual contamos, ainda mais nessa atividade tão global, mas ter uma sede sempre parece mais “legítimo”. 

São Paulo é a base, mas sempre estou em um ou outro lado do Atlântico para tratar de assuntos mais sensíveis com as agências europeias com as quais forjamos relações. Além disso, temos colaboradores locais e também uma equipe de PR regional para dar conta de todas as demandas que surgem. 

E, claro, já fui praticamente para todos os países que atendemos, pois acho que observar cada parceiro e as respectivas cenas em que operam ajuda a compreendê-los melhor, seja em termos de ver seu potencial como de entender suas limitações.

HM – E quanto a 2019, ele parece mais auspicioso ou mais desafiador que 2018? Até o momento, o que dá para sentir no horizonte ou mesmo compartilhar, sejam dicas, conselhos, planos ou projetos?

2018 foi o ano do desafio, o de ganharmos corpo geográfica e internamente. Já este é o ano de colher frutos e manter o passo de crescimento. Assim, vamos duplicar o que já realizamos no ano passado, em amplitude e força.
E posso dizer que os inúmeros projetos envolvendo os artistas do roster, seus selos e iniciativas, acabarão tendo uma presença na América Latina.

Fique por dentro