Festas rave e política, e eu com isso?

Artigo escrito por Luciano Prado – amante de música eletrônica psicodélica, graduando em Tecnologia em Gestão Ambiental pelo IFSULDEMINAS e ativista cultural com o Coletivo Cultural Carapuça

Foto de abertura: Kristy Milliken/Mess+Noise

Antes de colocar os pontos principais que me fazem escrever este artigo, é preciso fazer uma rápida reconstituição histórica de alguns fatos que envolvem as chamadas “festas raves” no Brasil. Os dados históricos levantados neste texto pertencem à dissertação de mestrado de Lia Raquel Possi, intitulado “Universidade e festas raves: reflexões sobre a formação cultural de jovens universitários”, além de matérias jornalísticas disponíveis na internet. Nascidas da resistência contracultural, as festas eletrônicas se difundem amplamente e atraem a atenção de jovens ao redor do mundo todo, e não é diferente por aqui. De uma certa perspectiva ideológica, as “raves” são – ou, teoricamente, deveriam ser – espaços libertários aos frequentadores. Através da música, é possível que haja profunda transformação sensorial, individual, e ao mesmo tempo, coletivo.

Desde as primeiras festas que se têm notícia em território tupiniquim, no final do século passado, como a LM Music em 1992 passando pelas cidades de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, o festival Universo Paralello no nordeste brasileiro e muitos outros, a cena eletrônica se coloca em constante mudança, consolidando-se como espaço de diversidade e manifestações multiculturais. Mas nem sempre estas mudanças significam conquistas. Em um passado recente, estes espaços estiveram sobre forte pressão e questionamento da mídia e setores conservadores da sociedade, hoje, com menos evidência dado o momento político que o país atravessa. Por anos, festas eletrônicas foram caracterizadas clandestinas e ilegais. Com a expansão dos eventos em território nacional no início dos anos 2000, elas passaram, em maior parte, da clandestinidade ao apoio institucional, e isso se deu graças ao esforço mútuo de muitos atores políticos que lutaram para que chegássemos aonde chegamos, embora, muitas vezes, resistindo às ondas conservadoras mais do que conquistando novos espaços.

Nos últimos anos têm sido travadas verdadeiras batalhas judiciais. De um lado, grupos que tentam barrar a realização de festas eletrônicas articulando projetos retrógrados de proibição colocando tais pautas até mesmo em Assembleias Legislativas de alguns estados, como o então vereador, Flávio Bolsonaro que foi um dos proponentes no Rio de Janeiro, com um projeto de lei que regulava a realização das festas e que posteriormente esteve sob “revogação tácita”, ou seja, segundo o site Enciclopédia Jurídica, é quando há “eliminação da vigência de uma norma por apresentar-se incompatível com outra norma em um determinado caso concreto”. O tema também percorreu corredores e câmaras de discussão até mesmo na Câmara dos Deputados em Brasília. Em muitos locais, estes grupos conseguiram proibir a realização de manifestações multiculturais e artísticas em formato de rave, como nas cidades de Londrina, no estado do Paraná, e Vila Velha, no Espirito Santo, amplamente divulgados pela mídia. Por outro lado, fazendo jus às raízes de resistência, houve mobilização, e dentro dos padrões legais, lutou-se até que órgãos superiores julgassem tais proibições como inconstitucionais, como na segunda cidade citada, onde o relator do processo, o Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, julgou que a lei em questão fere o princípio da liberdade de expressão.

Neste sentido, houve um pequeno avanço, pois o que antes era proibido, passou a ser regulamentado em algumas cidades – a exemplo de São José dos Pinhais, em São Paulo, e Cascavel, no Paraná – de uma certa perspectiva contrapondo as proibições. Porém, a legislação ainda é frágil e localizada em pouquíssimas cidades, o que abre espaço tanto para um campo quanto para outro. Os que tentavam impor restrições nas festas eletrônicas ontem, hoje encontram-se afinados em apoio a políticos com esta mesma linha de raciocínio ideológico retrógrados. Mas o que nós, organizadores, artistas e frequentadores temos a ver com isso? A resposta é simples: tudo!

A poucos dias de mais um pleito eleitoral que, segundo especialistas, é o mais indefinido desde a redemocratização da república, há quem diga que música eletrônica e política não se misturam. Estas pessoas se enganam profundamente. Muito pelo contrário! Eventos de cunho cultural são sim atos políticos, sobretudo quando têm como pano de fundo a resistência cultural. Embora seja difícil afirmar quando e com qual intensidade acontecerá, é claro como água que festas rave serão novamente fato político em evidência num futuro próximo e, quando voltar à tona, será mais do que nunca um Judas à ser malhado. Cada vez mais naturalizado, o pensamento que antes era conservador agora flerta com o fascismo, e segundo pesquisas recentes de intenção de voto, pode sobressair vencedor nas próximas eleições. Ora, há uma grande controvérsia entre ser um frequentador de festas rave e apoiar pensamentos autoritários, conservadores e extremistas da perspectiva social. E para perceber que existem muitos frequentadores da cena que apoiam isso, não precisa ser cientista político, basta observar o discurso radicalizado de muitos que frequentam as festas rave e que fazem coro com políticos que propõe, acima de tudo, a “moral e os bons costumes”, desde que sejam a moral e os “seus” costumes.

Neste contexto, ou você faz parte da contracultura, ou não faz, pois as festas são o maior exemplo de diversidade, liberdade individual e aceitação do outro como ele é. Ou seja, nós que gostamos desses espaços e gostaríamos de preservá-los, precisamos mais do que nunca barrar o avanço de pensamentos autoritários e unilaterais o quanto antes, de preferência no primeiro turno das eleições. Pois quando os momentos de ataques contra nós chegarem novamente, é importante que tenhamos o mínimo de politização para lutar contra os retrocessos que vão querer nos impor. Resistir é necessário, ou corremos o risco de voltar à clandestinidade. A questão principal aqui não é ser de esquerda ou direita, mas sermos sensatos. O momento é de reaver conceitos como a paz, o amor, a união e o respeito. Somos brasileiros, somos da música eletrônica e dizemos não ao fascismo! 

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