Por Gabriela Loschi
Edição Alexandre Albini
Após três horas de set houseado e caloroso em pleno verão brasileiro, apimentado pelo ritmo latino que tanto enriquece seu estilo, o ambiente foi tomado inesperadamente por uma das batidas mais famosas da história da dance music. Nenhum dos corpos suados naquela bela noite de janeiro, em Florianópolis, esperava uma virada dessas. Ao final de 180 minutos de frenesi, a pista voltou para 1999 explodindo em saltos e gritos: “Superstar DJs, here we go”.
Ser um DJ com mais de 20 anos de carreira, responsável por ajudar a construir uma das cenas mais sólidas do nosso continente, a chilena, embaixador de Ibiza e dono de um selo extremamente respeitado no universo da música eletrônica, Cadenza Music, ajuda a ter o feeling de pista necessário para saber o momento preciso de encaixar — no caso encerrar — com a clássica das clássicas do Chemical Brothers, e ainda assim surpreender, sem cair em clichê, fazendo todos descarregarem com prazer o resíduo de energia restante.
Três horas antes da pista do Terraza se embebedar com o jeito Luciano de discotecar, estávamos com ele no camarim (que chegou em cima da hora, devido a um engarrafamento) batendo um papo de 10 minutos, que se transformou na entrevista que você lê a seguir:
House Mag: Você foi capa da House Mag há oito anos e comentou na ocasião que a cena brasileira era interessante, porém pequena e sem muitas coisas acontecendo. Quais as suas impressões daqui hoje em dia?
LUCIANO: Fui embora em 2000 e me desconectei da cena aqui. Mas mantenho contato com artistas novos que me atualizam. A primeira vez que vim ao Brasil acho que já faz 17 anos, então claro que nesse tempo a cena cresceu absurdamente, amadureceu, a música se tornou mais popular, tem mais lugares e DJs. Adoro vir para América do Sul. É um dos lugares que mais gosto de visitar e me sinto em casa, porque amo as pessoas, a vibe, várias coisas acontecendo, after-parties, novos artistas. Na Europa existem diversas regras: não pode fazer isso e aquilo… aqui sinto que existe muito mais liberdade.
HM: Por que sente que aqui tem mais liberdade que na Europa?
LUCIANO: Por exemplo: é possível acessar mais lugares pra fazer festas. Tenho amigos no Chile fazendo afters nas florestas, e nada atrapalha. Ibiza era assim 20 anos atrás. Você podia ir nas praias e fazer algo especial pras pessoas; mas agora é impossível, pois existem muitas regras. Claro, quando há liberdade, há criatividade. A liberdade cria a criatividade, novos artistas, etc…
HM: E nesse sentido, Ibiza ainda está te inspirando? A cidade faz parte de um grande papel na sua carreira…
LUCIANO: Tudo o que já fiz e faço é importante, ao meu ver. Minha missão na vida é fazer música, entreter e levar boas vibes para as pessoas. Seja num club pequeno ou grande festival, a importância é a mesma. Não dá pra lutar com o tempo, as coisas mudam, é a evolução… Realmente estou mais velho (risos) e essa é a única mudança. De resto são novas pessoas vindo pra ilha, e é isso.
HM: Você foi uma peça importante para o desenvolvimento da cena chilena, no início dos anos 90, e me lembro de uma afirmação sua antiga de que não havia tanto apoio aos artistas locais quanto para os internacionais que iam tocar lá. E hoje, isso mudou? É algo que melhorou da forma que esperava ou queria?
LUCIANO: Acho que é a mesma coisa que acontece com o Brasil: ninguém é o profeta de sua própria terra. Precisei ir embora do Chile para me acharem bom. Saía, tinham muitos artistas ótimos, mas vinha alguém de fora e davam mais valor. Isso é uma bobagem, pois talento nada tem a ver com a bandeira que você carrega. Sei que ainda é difícil e tem muita luta, mas meus amigos de lá reclamam que ninguém os reconhece. Não posso dizer com propriedade, porém é o que ouço.
Quando começamos a música eletrônica no país não havia nada: nós criamos a cena e essa era a motivação. Não éramos movidos por reconhecimento, e sim por criar algo novo. Hoje tem muita coisa acontecendo e a galera não percebe que nem sempre foi assim. Tem redes de pessoas criando festas em diferentes lugares. Naquela época, quando fui tocar música eletrônica pela primeira vez em uma cidade no norte do país, cheguei no club e o dono me deu o fone de ouvido, um microfone e disse: “Você vai tocar aqui hoje e convidar as pessoas para uma cerveja. Vou te dar uns ingressos para vender”. Pensei: “tá louco?!” Acho que ele não entende o que faço. Me expulsaram e fiquei sentado na parte de fora, num deserto. Precisei olhar onde passava ônibus para poder voltar… Então existe uma grande distância entre o que rolava e o que está acontecendo agora. Acredito que é uma questão de tempo.
HM: Quando começou a criar a cena chilena, o sentimento foi parecido de quando criou a Cadenza, há 15 anos?
LUCIANO: Sim. Na verdade, nós nunca pensamos em criar um label. Minha irmã é designer gráfica, estava terminando os estudos no Chile e precisava fazer a monografia. Disse pra ela: faço a música e o vinil, aí você trabalha na capa e apresenta o projeto. Logo que saiu a primeira faixa muitas pessoas queriam saber e ouvir mais. Houve um alvoroço! Não conhecíamos sobre finanças, pagamentos, contratos…, mas assim que começou.
HM: Você sempre apoiou muito novos artistas. Que tipo busca hoje para o seu selo?
LUCIANO: Nós precisamos de pessoas e de música que tenham um brilho especial, aquele toque que apenas o escolhido tem. Procuramos quem tem a música como o próprio universo. Pessoas que não estão tentando ser como a gente é, como eu sou, mas que estão sendo quem eles são.
HM: Seu destaque, tanto pelas produções como pela discotecagem, sempre foi algo latente. Qual dos dois formatos te traz mais satisfação?
LUCIANO: Separo muito bem essas duas coisas e tento fazer melhor as duas partes. Para mim DJing é uma grande conversa com as pessoas. É um momento coletivo, uma conexão com os outros. Já quando produzo música, faço pra mim. Coisas que gosto, não necessariamente dance music. Pode ser música ambiente, leve ou de diferentes gêneros. Faço o que realmente quero fazer e sou bem egoísta nesse sentido.
HM: Nesses anos todos, o que te deixa mais irritado na cena?
LUCIANO: Muitas coisas (risos). Na verdade, é o fato de essa nova geração não ter tanto respeito, pois antigamente existia algo muito aguçado e sério. Por exemplo, meus mentores são Juan Atkins, Derrick May… os veteranos de Detroit e Chicago. Antes poderia levar anos para termos oportunidade de tocar com eles, sendo um grande momento na carreira de qualquer artista. Hoje a cena é tão rápida. Às vezes vejo alguém que acabou de surgir e em menos de dois anos já está viajando de jatinho. Acho que se perderam os valores um pouco, de processar cada passo que se dá. Outras coisas estão se tornando mais importantes do que realmente fazer música. A nossa indústria foi um sucesso tão grande, que tudo se tornou muito fácil.
HM: Por último… temos tempo para mais uma pergunta? O que vem pela frente?
LUCIANO: Estou produzindo um novo álbum, que será lançado em breve…
* Infelizmente ele precisou sair para tocar, pois já estávamos além do limite do horário. Ficamos curiosos sobre o novo álbum, e aguardamos ansiosos!