Por Gabriela Loschi
Edição Alexandre Albini
Foto de Capa Felipe Gabriel
Quando você é um DJ que nasceu em Detroit e se mudou para Berlim, tornando-se residente do Berghain/ Panorama Bar, os olhares sobre ti podem emanar da mais profunda admiração, a um julgamento pungente, daqueles que anseiam sempre o próximo passo do artista. Mas Ryan Elliott não permite que a rapidez de transformação da música eletrônica, em comunhão com a pressão da velocidade da vida contemporânea o consumam. Suas habilidades como DJ são tão fortalecidas, que permitem suas outras criações musicais e projetos tomem forma no seu tempo, embebedando-se da consistência que um ritmo demasiadamente frenético poderia anular.
Ryan é minucioso em seus passos, certeiro — visto os altos escalões onde ele se firmou dentro dos redutos do techno e house mundial —, um profissional cujas raízes são tão bem estabelecidas, que é considerado um dos seletores mais finos e versáteis da cena. Tanto que seu set no Panorama Bar em 2014 foi eleito o top mix do ano pelo Resident Advisor. E que sorte a nossa, brasileiros, em ter a oportunidade de recebê-lo aqui para mais uma turnê que promete trazer tantas novidades quanto seu case comportar. Ele chega para se apresentar nos festivais D-Edge e Warung Day, dia 14, e para estrear em Campinas, dia 20, no club Caos, ao lado de Efdemin. O Brasil já se tornou tão essencial para Ryan, que está na hora de bater um papo sério com ele:
House Mag: Olá Ryan. É um prazer tê-lo de volta no Brasil em breve. Começemos falando um pouco sobre seu set ano passado no DGTL São Paulo — considerado por muitos como um dos melhores (se não o melhor) set de todo o festival—, por conta da atmosfera especial que você criou, misturando novos sons, passando por tantas nuances de house, techno e disco. Como você sentiu o público e toda a experiência do festival? O que podemos esperar das gigs desse ano?
Ryan Elliott: Foi, sem dúvida, uma das minhas festas favoritas de 2017. Tudo se encaixou: a multidão, o clima, a atmosfera… Foi um desses sets em que tudo era tão fácil e natural. Não tinha nem que escolher a próxima faixa, pois meio que “surgiam” pra mim. Foi um dia especial — do tipo que me dá energia e inspiração por meses depois. Estou muito animado para voltar ao Brasil novamente. Tenho novas músicas e ideias para compartilhar com todos.
HM: Em 2017 também rolou por aqui uma apresentação memorável na CAPSLOCK (com direito a workshop e tudo); e na Beehive, no Sul do país. Este ano, você tocará em um novo club underground em Campinas, chamado Caos. Então podemos dizer que já experimentou diferentes tipos de festas, atmosferas e locais. A cena daqui te inspira de alguma forma? Do que mais gosta?
RE: O Brasil, ao meu ver, é um dos lugares mais inspiradores do mundo para tocar, através de uma longa e rica história com a dance music. Porém, a dance music “eletrônica” ainda é relativamente nova e excitante pra vocês. Acho que é essa combinação de um profundo entendimento do ritmo, mas também a novidade do clubbing, que os torna tão especiais para mim como DJ.
HM: Passando pelo seu histórico, você acha que ser de Detroit o ajudou de alguma forma a ser reconhecido no começo? Ou, na verdade, era uma responsabilidade ainda maior, para se destacar entre tantos produtores e artistas que surgiam da motor city?
RE: Acho que ambos. Sim, no início da minha carreira isso certamente ajudou. Mas apenas o fato de ser um “Detroiter” não te leva longe — você tem que se provar como um bom DJ a cada apresentação se quiser ser bem-sucedido.
HM: Quando se mudou para Berlim, em 2009, você já tinha um relacionamento com Ostgut Ton e Berghain, onde costumava tocar às vezes. Já planejava ser um residente do club? Depois de quase dez anos, Berlim ainda te inspira?
RE: Me mudei em 2009, porque sabia que, se quisesse levar a carreira ao próximo nível, precisava estar na Europa. Tendo passado toda a minha vida nos EUA, também almejava uma mudança: viver em outro país e ver mais do mundo. Naquela época, tocava no Berghain algumas vezes por ano e presumi que teria mais gigs se morasse em Berlim; mas ir “apenas” para me tornar um residente do club não era o plano. Fiz por mim e pela música. Amo morar aqui. Não há nenhuma cidade igual no mundo, que abraça culturas contrárias, diferente de qualquer outro lugar que já fui.
Capslock. Foto Felipe Gabriel
HM: Você começou como DJ e passou a produzir depois, especialmente quando passou a morar em Berlim. Como está o seu relacionamento com a produção X DJing?
RE: Quanto mais longe vou em minha carreira, mais vou gostando da produção. Acho que porque nunca tive que depender de lançamentos para ser bookado para shows, e isso tornou o processo de produção mais puro para mim. Sempre separo alguns dias durante a maioria das semanas apenas para sentar no estúdio, experimentar e me divertir.
HM: Ainda considera o Panorama Bar/ Berghain o melhor do mundo? Quais outros clubs, festas e eventos você se sente confortável tocando ao redor do mundo?
RE: O Berghain ainda é absolutamente o melhor. É completamente único e sou muito grato pela minha residência lá. Me sinto confortável se apresentando na maioria das situações. Adoro tocar em grandes e pequenos shows, festivais, clubs… Considero-me um DJ versátil e diferentes ambientes permitem mostrar isso — o que mantém as coisas sempre interessantes.
HM: Ouvi dizer que você é bem regrado e organizado, que corre durante a semana e tenta dormir bem. Já sentiu a necessidade de mudar alguns aspectos da sua vida para se manter saudável? Quero dizer, muitos DJs lutam com seu estilo de vida e não é fácil conseguir um equilíbrio quando se trabalha à noite e viaja muito. Como está sua rotina atualmente?
RE: Esta rotina muda conforme minhas necessidades como pessoa e artista se alteram. Sempre procurei estar fisicamente saudável — fazendo exercícios, dormindo o suficiente, comendo bem. Mas o que nós não falamos tanto (porque é mais difícil de colocar o dedo) é da dificuldade de se manter mentalmente saudável e feliz. Sempre reservo tempo para mim mesmo como uma pessoa normal, pra passar com minha esposa e amigos, ler livros não relacionados a música, ver filmes — que mantêm você feliz, curioso e jovem. Fazer essas coisas traz recompensas, naturalmente. Tudo em nossas vidas está conectado e tem efeitos no outro. Isso é o que muitos DJs extremamente ocupados não percebem.
HM: Conte-nos sobre seus planos, o que vem em seguida na sua carreira?
RE: Finalmente iniciei meu próprio selo! Isso é algo que queria fazer há muito tempo, pra ter uma visão clara e também estar em um ponto da minha carreira em que pudesse lidar exatamente da maneira que gostaria. Será meu escape para músicas que amo e toco. Acredito que o lançamento de estreia precisa vir de mim, então estou trabalhando para terminar o primeiro EP em breve.