A experiência de 20 anos na pista de Márcio Vermelho

Por Marcelo Godoy
Foto capa Matias Werd

Márcio Vermelho está entre os gigantes da discotecagem brasileira. São quase duas décadas imerso na cena clubber nacional; Bagagem que solidificou esse artista multifacetado. Passo-a-passo tem se tornado referência perante gerações e conquistado até mesmo os ouvidos de artistas mais velhos.

Formado em Química e já tendo trabalhado como fotógrafo, suas experimentações em diversas áreas convergem ao centro de suas atividades artísticas e socioculturais. Da organização de seus eventos a vários outros projetos, suas atividades incluem o uso de vídeos em mídias “obsoletas” no “Vídeo-Sistema”, a parceria com Ivana Wonder no “Vermelho Wonder” e o projeto “Sphynx”, com Zopelar.

Um dia antes do Dekmantel São Paulo, a House Mag bateu um papo com ele – que assumia o palco principal no domingo. De lá até aqui já rolou a edição c.odde da ODD em Cascavel (PR) e neste sábado será realizada na capital paulista, trazendo a norte-americana Maya Bouldry-Morisson, mais conhecida como Octo Octa. Criada por Márcio e que tem no time Davis e Zopelar, é um pilar no ecossistema de festas do Brasil. 

House Mag: Márcio, você é referenciado como um dos DJs mais experientes do país. Em 18 anos de carreira, já produziu eventos e festas, discotecou nos mais diversos cantos e se envolveu em projetos dos mais variados, entre fotografia, exposições, instalações e audiovisuais; além de fomentar a cultura de integração social. Sente que ainda há algo inexplorado a ser descoberto?
Márcio Vermelho: Sempre há algo a ser explorado e descoberto. A incessante busca por novas ideias, parcerias, conteúdo e formatos é um combustível e tanto. Combinar diversos projetos e linguagens é algo que está no meu horizonte atualmente.

Você sempre salientou que o DJ deveria se envolver em muitos projetos, além de criar o seu próprio evento e fomentar a cena local. Em 2018, o conselho ainda é válido?
Criar o próprio espaço para desenvolver a sua identidade, público e experiência continua sendo imprescindível. O momento é propício, bem mais que há 18 anos, pois temos um movimento em expansão, com um público interessado e aberto a várias propostas. Sobre se envolver em muitos projetos, é uma questão muito particular e longe de ser uma regra.

Alguma consideração em relação a eventos de rua versus club? São Paulo vivenciou uma revolução nos últimos anos. A fórmula deveria ser replicada em outras regiões do país?
Eventos de rua tem o caráter de unir pessoas e artistas de uma forma democrática e livre, além da ressignificação dos espaços onde as festas acontecem e o seu entorno. Acho que toda região onde se concentram núcleos artísticos deveria experimentar trazer para a rua as suas experiências. A transformação é real.

Em entrevistas suas bem antigas, por volta de 2004, você diz que havia uma certa distância entre você e o techno, e que por causa do Luiz Pareto e Marcos Morcef se apaixonou pelo house underground. Em sua visão, suas apostas estão indo numa direção contrária? A ODD tem trazido grandes nomes em voga do techno mundial. Como essa fusão é proposta/ balanceada?
Sempre gostei muito de house, foi o estilo que fez a minha cabeça e me seduziu a “tornar-se DJ”. Em 2004 o cenário musical era bem diferente. São Paulo, que é uma cidade techno por natureza, vinha de um longo período onde as festas desse estilo predominavam os grandes eventos e clubs da cidade. Em 2001/2002, quando comecei a produzir as minhas primeiras festas, organizar um evento de house era um ato corajoso e arriscado. O público era muito menor e as condições nem sempre favoráveis. Hoje temos uma outra dimensão de público e propostas, muito mais diversificada e sólida. O direcionamento musical da ODD vai além do techno. Muitos nomes internacionais que já passaram pela festa como Legowelt, Steven Julien, Massimiliano Pagliara, Ata, Tama Sumo e Lakuti, só para citar alguns, traduzem bem o mosaico sonoro que criamos.

Existe alguma tendência que você sinta que haverá nas próximas ondas da música eletrônica? Muito se fala de volta do trance, ou do gabber, e que as novas gerações vão pedir BPMs altos novamente. Após deep house, techno e agora electro, o que você acha que vem pela frente?
Talvez os timbres sintéticos do electro fiquem no ar por um tempo. O vai e vem cíclico de sonoridades e BPMs faz parte da renovação da música eletrônica, vejo como algo natural. O meu set sempre absorve um pouco de vários estilos, então acabo não me preocupando tanto com a “próxima onda”.

Existe algum fator em que sinta falta ou nostalgia em relação a esses anos de evolução? Alguma vibe do passado que não exista mais ou algo difícil de ser recriado hoje em dia em função das mudanças tecnológicas e/ou sociais?
Acredito que o momento que vivemos agora, que considero o mais peculiar dos 20 anos que acompanho a noite de São Paulo, é o que mais deixará o sentimento de nostalgia nas pessoas quando ele se transformar. Cada época tem suas peculiaridades, estéticas, personagens. De modo geral, vejo que tudo o que experimentamos anteriormente é a base do que está aí, talvez por isso eu não seja tão saudosista. 

vermelho_dgtl_2_felipe_gabriel__500DGTL. Foto Felipe Gabriel 

Poderia nos dizer alguns momentos inesquecíveis em que sentiu que todo o trabalho aplicado foi compensado? Quais momentos de êxtase lhe vêm à cabeça?
Momentos sublimes que acontecem na troca entre DJ e público são os mais especiais, principalmente quando acontecem nas pistas inesperadas. Um momento extasiante recente foi na edição da ODD de dezembro. Como produtor de festa, curador e DJ, foi uma realização única.

E, quais momentos difíceis passou e como fez para superá-los?
Uma situação relativamente recente foi quando tivemos um evento interditado pela prefeitura em meados de 2017. Foi um baque inesperado, pois tínhamos preparado uma edição muito especial da ODD. Por outro lado, tivemos um apoio muito forte dos seguidores e simpatizantes da festa. Saímos muito mais fortes e renovados.

Existe alguma forma de pressão após anos de educação musical das pistas do país? O público é mais exigente ou cobra algo? Como você lida com a constante troca de informações?
O público é mais exigente sim. Muita gente que está na pista pesquisa muito e conhece bem os artistas que estão ouvindo e isso é ótimo. Claro que há diferenças entre pistas e pistas, mas de modo geral não sinto uma pressão do público.

Fale um pouco do seu projeto com a Ivana Wonder, o Vermelho Wonder. Existe uma busca do house old school com vocais, referências de Chicago e etc? Vocês acabaram de lançar um release. Quais são os planos para o futuro?
Sim, acabamos de lançar o EP da “Rock The Box” há poucos dias pelo selo In Their Feelings, com remixes do ROTCIV, R H R, Davis e Zopelar. A minha parceria com a Ivana Wonder surgiu há mais ou menos um ano, quando começamos a gravar os nossos primeiros experimentos. House old school é só uma das várias referências que temos. Synth pop, ítalo disco e minimal wave também são influências fortes nesse projeto. Em breve vamos lançar um novo EP e seguimos fazendo apresentações ao vivo.

Novidades também vindo a caminho do Sphynx (Vermelho + Zoperlar)?
Estamos produzindo algumas músicas novas e testando várias produções inéditas e edits em pequenas festas que temos feito recentemente.

Você além de Químico por formação, é um excelente Fotógrafo. Existe algum projeto seu atualmente nesse âmbito, ou a tendência maior seria audiovisual? Existem novas experimentações?
Com fotografia, nenhum projeto no radar. Já com o Vídeo-Sistema, pretendo produzir mais music videos no futuro próximo, além de experimentações com sons e vídeos mais radicais, ideias além da dance music.

Você sente vontade de se apresentar com o Vídeo-Sistema em mais localidades pelo Brasil? Como se sente em relação ao espaço audiovisual nos eventos pelo país?
O Vídeo-Sistema é um projeto de experimentação audiovisual que se desenvolve melhor no ambiente de estúdio. Não tenho intenções de apresentar ao vivo, por enquanto, talvez algo que se conecte aos meus DJ sets ou um possível live no futuro. Há um entendimento atualmente de que festa é um acontecimento que reúne diversas linguagens de expressão. As performances passaram a ser parte essencial do line up das festas pelo país afora. Tenho observado um olhar mais atento dos produtores de eventos em relação a iluminação, o que sempre foi um pilar muito importante na história dos clubs e festas, porém vejo uma direção mais artística e experimental agora. 

Você é uma referência para a cena queer brasileira, promovendo integração de públicos e diminuindo diferenças na pista de dança. Como você avalia o atual momento no Brasil, em relação à liberdade de ser e estar? Estamos bem ou ainda há muito a ser feito? Qual o papel social das festas e das artes?
É claro que ainda há muito a ser feito, mas não podemos negar que atravessamos um momento mais inclusivo na noite se compararmos com outras épocas. O debate está mais intenso e produtivo, as posições mais firmes e as pessoas tem cada vez menos medo ou vergonha de se posicionarem como são. Pelo contrário, é tempo de afirmação e orgulho. As festas são espaços vitais para abrigar esse comportamento de respeito, tolerância, diversidade e segurança. Um contraste à realidade fora do universo das festas, onde seguimos na mesma luta por mais direitos e visibilidade; porém, infelizmente, vivemos hoje em uma sociedade histérica reacionária. Por isso é tão importante reafirmarmos essa função importante das festas e protegermos nossos espaços e uns aos outros.

Quais são suas fontes de pesquisa preferidas? O que você poderia recomendar ao público?
Tenho pesquisado cada vez mais no Bandcamp, um bom lugar para descobrir selos e artistas independentes. Gosto muito das rádios online NTS e Beats In Space, fontes inesgotáveis de pesquisa musical.

Quais os planos para 2018? O que podemos esperar?
Turnê europeia em junho e algumas datas em Nova Iorque em agosto, quando gravo a minha segunda participação no programa Beats In Space, dez anos depois do primeiro. Dos lançamentos previstos, um disco solo daqui a alguns meses e um novo Vermelho Wonder em breve.

Fique por dentro