Review: Warung Beach Club abre temporada de verão com italiano roubando a cena

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: divulgação

Uma data carregada de expectativas, um reencontro após 20 meses de portas fechadas e um dos headliners mais aclamados dos últimos anos; esses eram alguns dos ingredientes que fizeram os ingressos se esgotarem em poucos minutos para a noite de abertura do verão no Warung Beach Club, no dia 3 de dezembro. Maceo Plex foi anunciado para ter a responsabilidade colocar o Templo novamente no mapa da cena eletrônica mundial neste novo tempo de retomada da vida noturna.

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Foto: divulgação

Pessoalmente, tenho duas de suas produções em minha lista de favoritas da vida. Um dos motivos de ter ido, era para ouvi-las. Apesar de gostar de Plex, eu apenas o havia assistido em suas duas primeiras vindas ao clube. Era tempo de reencontrá-lo, tudo estava favorável e minha curiosidade era perceber se ele havia evoluído como DJ ao longo desses cinco anos de hiato. Próximo a data, o Warung anunciou para a minha surpresa que quem iria comandar o garden eram dois artistas que admiro muito. Eles dariam sequência ao warm up de Danee, um dos principais nomes da cena catarinense, o argentino Mariano Mellino e o italiano radicado em Buenos Aires, Graziano Raffa. Era uma combinação perfeita de três DJs que musicalmente se complementam e super convidativo para permanecer na pista inferior.

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Grazziano Raffa – Foto: divulgação

Um dia antes da festa, recebo a notícia de que Mariano havia testado positivo para Covid-19, o impossibilitando de embarcar ao Brasil. Conversei com o hermano que é visto como a nova estrela de seu país e um dos pupilos de Hernan – estava arrasado. Os DJs argentinos sempre respeitaram muito o Templo e a nova geração de produtores de lá tem como um dos sonhos se apresentar no clube da Praia Brava. Eles ouvem falar dos históricos longsets de “el maestro’’ e sabem da importância que é para a carreira de um artista tocar neste lugar. Para substituí-lo foi chamado às pressas ninguém menos que Daniel Kuhnen, ex residente da casa e agora parte do Elekfantz. Dani é reconhecido pelos warm ups históricos para Hernan e outras lendas da casa. A missão dada a ele era de em 24 horas montar um set entre um DJ de warm up muito preparado e um italiano com sangue nos olhos que viria para marcar território encerrando o Garden.

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Dani Kuhnen – Foto: divulgação

Essa transição de horário é uma das mais difíceis de se fazer. Obviamente Kuhnen não recusaria um pedido do staff do clube. Danee abriu com maestria, e tratou de colocar a pista em uma vibe muito boa até meia noite. O set foi um dos melhores que já ouvi do DJ local e quase um residente não oficial da casa. Construção impecável, bom ritmo e uma baixa perfeita para dar passagem. 

Daniel Kuhen iniciou em outro humor, com um som lembrando artistas como HVOB ou Ben Brohmer. Constantemente ele colocava músicas mais obscuras, tensas e com vocais emotivos, que davam lugar a outras mais dançantes para acordar a pista e fazê-la vibrar. O que mais gosto em Kuhnen é que ele nunca toca o óbvio, sempre serão sons distintos que você se pergunta de onde foram tirados. 

Dani desafia a pista a sair da zona de conforto e isso é sempre louvável. Obviamente que seu set teve altos e baixos por ter sido preparado em poucas horas, além do fato do público começar a subir para achar um espaço antes de Plex entrar. O ponto alto do set foi o remix de Stan Kolev para “I wish you were here”, de John Creamer e Stephane K, música dedicada à sua esposa que não pode estar presente.  

Diante da falta de Mellino, a curadoria antecipou para às 2 horas o ínicio de Graziano, juntamente com o headliner do Inside. Tentei subir para pegar o início de Maceo, porém estava impossível de se mexer em qualquer parte do meio até a cabine. Como gosto muito de ficar mais a frente para observar o DJ, acabei voltando para ver Raffa no Garden por um tempo, sabendo que ele iria dar o melhor de si em uma oportunidade de tocar 4 horas e encerrar uma das pistas mais aclamadas do mundo. Isso não acontece todo dia e ele sabia disso. Raffa iniciou com algo mais tech house, apenas para sentir a pista e dar ritmo, o que estranhou quem o conhece como o cabeça da gravadora Sudbeat de Cattaneo. Bastou quatro ou cinco músicas para se sentir confiante e começar a colocar sons mais progressivos.

Sua técnica mixando faz jus ao tempo que ele está na Argentina – nunca deixava a pista cair, típico dos hermanos. É provável que muitos dos presentes nem sabiam quem ele era, ou só tinham alguma pouca referência de seu trabalho como produtor e curador de uma das gravadoras mais importantes do mundo quando se trata de house progressivo.  

O artista foi ganhando a atenção do público com humildade, carisma e aos poucos quem ia descendo para dar uma respirada do Inside, acabava ficando devido a excelente intensidade que o artista imprimia. Eu já comecei a projetar que ele iria jogar algo mais techno no final, pois estava colocando o que havia de mais rápido nos sons progressivos.  

No auge do set próximo das 5 horas, ele soltou nada menos que “Pontapé”, de Renato Cohen, um dos maiores clássicos do techno em todos os tempos. Por incrível que pareça a música caiu como uma luva, dando um contraponto nos sons mais profundos. Como diz o ditado, “só faltou fazer chover” no Garden, o que de fato aconteceu. Raffa tocou com o coração, com seriedade, era nítido que o set foi muito bem preparado e com a responsabilidade de saber que estava tocando em um dos maiores clubes de todos os tempos. Não é simples fazer a pista se conectar e vibrar por diversos momentos, e mais, saindo quase vazia em sua capacidade para totalmente cheia! Ainda que com vontade de ficar, decidi subir pegar a hora final de Plex, pois meu desejo em ouvir os clássicos do Cuban-American falava mais alto. 

Consegui me estabelecer no tradicional lado direto a poucos metros da cabine, local em que já tive o privilégio de assistir quase todos os maiores DJs do planeta e alguns dos que ajudaram a formar meu gosto musical. Estar ali naquele chão de madeira pulsante é como cursar em Harvard a arte de comandar uma pista de dança. Plex estava visivelmente emocionado, cantando junto com as músicas, como em “Shadow” e pulando com a pista nas viradas explosivas.

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Maceo Plex – Foto: divulgação

Como não assisti sua construção de set até aquele momento, não consigo opinar com razoabilidade sobre a sua apresentação. O fato era que as baixadas de canal cortavam a boa onda que ele mesmo conseguia criar. Fica até difícil de listar todos os clássicos que soltou como fan-service, mas gostaria de destacar os dois que mencionei no início desde review,  “Learning to Fly” e “Sordid Affair”.  

Músicas que colocaria entre as minhas 50 favoritas em todos os tempos tranquilamente. Entendo a parte do público que já havia ouvido elas na última vinda do artista, porém, muitos como eu não haviam tido a oportunidade. Esse talvez seja o mal dos grandes produtores que se tornam DJs globais, invariavelmente ficarão presos aos seus sucessos. Solomun passou por isso por uns anos e depois com a mudança em seu estilo de música, conseguiu se afastar dos pedidos de suas maiores produções.  

Tentei olhar com os olhos de quem apenas queria apreciar boa música, e lembrar que ficamos meses e meses aguardando por momentos exatamente como esses: o amanhecer, a energia, o som preenchendo a alma e a vibração de todos fazendo a verdadeira alma do Templo ressurgir. Plex é um grande artista, seu erro com o copo foi grave, ter abandonado a pista na última música após conseguir mais meia hora para tocar foi desastroso e desrespeitoso, porém, todos merecem uma segunda chance. Espero poder vê-lo no Templo em uma data sem tantas expectativas, com seu set completo para analisar sua evolução como construtor, tenho certeza que ele retornará para dar o seu melhor. Ainda, anseio pela remarcação da data de Mellino, um merecedor de vir ao Warung e que ainda vai dar muito o que falar.

Em tempo, Graziano Raffa conquistou o respeito de muitas pessoas e sem dúvidas irá ser lembrado pela curadoria do clube nos próximos anos.

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