Por Vinicius Santiago
Foto de abertura: divulgação
Percussões incansáveis que se fundem aos sintetizadores, atravessadas por uma vasta gama elementos como tambores africanos, oloduns e instrumentos tradicionais da música indiana. Essa diversidade de nuances sonoras dá origem a um estilo que traduz a imersão da música eletrônica na ancestralidade e propagou-se pelo mundo inteiro, conquistando os corações dos amantes da house music: o Tribal House.
Iniciado na cena underground americana ao final dos anos 80, há quem diga que o Tribal tenha surgido em Miami, na Flórida – onde alguns anos mais tarde se consolidou por meio dos grandes festivais e das famosas pool-parties. Entretanto, registros mais antigos de produções nessa vertente apontam seu início na cidade de Nova York, por meio de labels como a Cafe Latte e a Tribal Amy, e do selo Strictly Rhythm Records, que já carregava fortes referências étnicas nas batidas de suas músicas.
Como o próprio nome sugere, “Tribal House” vem de “sons da selva”, uma alusão às repetidas entradas da percussão, bem como às inspirações que compõem seu esqueleto musical. Os instrumentos que produzem esses sons, inclusive, foram desenvolvidos através das tradições milenares africanas, em rituais e cerimônias religiosas que foram passadas de geração a geração.
Semelhante em estrutura à deep house, com melodias profundas, batidas ‘quatro por quatro’, linha de baixo e acréscimos de samplers, o que diferencia o tribal de outros subgêneros é justamente o arquétipo de “força da natureza”. Em seus arranjos, é comum encontrarmos vocais étnicos e indígenas, cantos de pássaros e outros sons provenientes da floresta. Além disso, muitas de suas faixas não contam com uma melodia central ou um som de sintetizador prolongado, como aqueles encontrados em outros formatos de house music. Em vez deles, o ritmo é definido por sofisticados padrões de bateria, como destaca o Dj e produtor musical Victor Cabral: “O Tribal House se diferencia de outras vertentes através das percussões contidas na construção de cada música. Os remixes e originais, quase sempre em tom menor, nos trazem a sensação de um som bastante ousado. Em quase 10 anos trabalhando com o Tribal, percebo que a inserção de mais percussões e mais vocais tem contribuído para uma sonoridade cada vez mais enérgica. Ao ouvirmos o snare marcado com o kick & bass e os shakers bem-definidos, sentimos fortemente o poder dessa vertente que enfeitiça e encanta os ouvidos das pessoas”, conta.
Foto: divulgação
Essa pegada mais “quente” também pode ser a responsável pela consolidação do ritmo no hemisfério sul. Atualmente, os países latinos são importantes difusores da vertente em todo o globo, exportando artistas e rompendo, através das milhares de produções que surgem dia após dia, as fronteiras culturais do subgênero: “A América Latina é hoje uma importante oficina para a World Music. Países como o Brasil têm assumido sua figura de protagonismo e distribuído grandes artistas do gênero a nível mundial. Anos atrás, todas as nossas grandes festas de tribal eram compostas por DJs internacionais. Hoje, estamos pegando o caminho inverso, com artistas nacionais figurando nos line-ups das festas mais concorridas na América do Norte, Europa e Oriente”, conta João Paulo Lainer, fundador da Lainer Company e responsável pelo agenciamento artístico de mais de 40 DJs nacionais.
Famoso entre o público LGBTQIAP+, o Tribal saiu das boates e passou a ocupar as grandes engrenagens de entretenimento. Hoje, ele é o produto principal das mais estruturadas empresas de eventos, ditando tendência não apenas em termos de música e selos de festas, mas também em eixos como turismo, moda, lifestyle, dentre vários outros caminhos num modelo que apenas os fenômenos de massa são capazes de produzir. Acompanhando essa expansão, suas festas tem aberto portas para as mais diversas tribos e sexualidades, e as produções do gênero somam diariamente milhões de plays nas mídias digitais. Se a House já era amada por tantos, o Tribal veio para reforçar essa máxima através de uma nova leitura que traduz a liberdade, a intensidade e a despudorada alegria de seu público.