Constantemente temos visto o debate a respeito de uma suposta crise na cultura e mercado da música eletrônica voltar aos holofotes. Os fatores da discussão são diversos como dificuldades dos produtores de eventos e donos de clube de se sustentar no longo prazo, mudança de consumo de uma parte da nova geração que está entrando como consumidora do mercado de entretenimento, a concorrência com mega festivais, baixa ou nenhuma remuneração para artistas menores e por aí vai. Mas, em contrapartida, números como os relatórios do IMS indicam aumento no valor global do mercado da música eletrônica nos últimos anos atingindo a marca histórica de $12,9 bilhões em 2024. Ou seja, a balança está pesando mais para um dos lados.
Principalmente em pesquisas realizadas no Reino Unido, dados mostram que 31% das boates na região fecharam em menos de 4 anos – período que pega a crise global gerada pelo Covid-19. Outro estudo projeta 57% de clubes e pubs fechados até 2030 na capital inglesa. Quando se olha para números assim imediatamente a reação é ligar o sinal de alerta e questionar o porquê. Há problema em uma baixa na demanda, enquanto por outro lado questões políticas como impostos abusivos e baixo apoio do poder público influenciam diretamente para a manutenção desses estabelecimentos. Portanto, a discussão de que a geração Z não vai para a balada e por isso o mercado está colapsando vai até certo ponto.
As Ilhas Baleares, grupo de ilhas onde Ibiza fica localizada, recebeu número recorde de turistas em 2024 – 15,1 milhões -, segundo o Instituto Nacional de Estatística da Espanha. Ainda de acordo com o relatório, o Reino Unido foi o país com maior registro de aventureiros, enviando mais de 17 milhões de pessoas. É óbvio, nem todos foram para curtir festas em Madrid, Barcelona ou Ibiza, mas certamente uma boa fatia eram de clubbers com foco na vida noturna. Isso nos deixa diante de outro debate: não há demanda ou o público está selecionando mais os eventos a frequentar devido a alta concorrência do mercado? As pessoas querem experiências novas?
Aqui, no nosso terreiro, as reclamações de pequenos e médios produtores em relação à concorrência com festivais é constante. Festivais como o Tomorrowland Brasil atraem milhares de pessoas. Na edição de 2024, foram cerca de 150 mil de mais de 100 países diferentes. Além disso, em um país com a economia instável e custo de vida altíssimo como o Brasil, o planejamento para este evento precisa ser de meses para a maioria das pessoas. Lembra que a balança está pesando para um lado? Dessa forma, o dinheiro que poderia estar circulando nos coletivos independentes e clubes locais está sendo armazenado para outros eventos maiores. As cenas estaduais têm se mantido forte em alguns centros com eventos incríveis como temos mostrado na coluna Coletivos do Brasil mesmo com muitos locais sem apoio do público e dos governantes. A Só Track Boa e Warung Day Festival são bons exemplos de festivais nacionais sucesso entre os consumidores com milhares de pessoas prestigiando todos os anos.
E de forma alguma é uma crítica aos eventos e festivais internacionais que estão vendo no Brasil um polo com um mercado consumidor grande, porque é mesmo e isso está provado com sucesso de público nas edições brasileiras! A ideia é mostrar os dois lados da moeda.
Na última semana, realizamos uma entrevista com DJ Najja, fomentadora cultural em Mato Grosso do Sul, que contou as dores da cena local. A dificuldade existe, mas o público de música eletrônica no Brasil continua forte. É necessário aumentar o apoio aos movimentos locais e reforçar sempre isso, e também cobrar de nossos representantes da esfera pública mais incentivo ao setor de eventos para que as marcas com menos recursos mantenham a música eletrônica frequentemente no radar de novos clubbers. Como por exemplo, o recente projeto de lei apresentado pelo Deputado Caio França que visa tornar a música eletrônica patrimônio imaterial do estado de São Paulo. Essa medida resguarda a cultura, valoriza-a e fortalece a divulgação e incentivo das autoridades para com os produtores locais.
O ponto mais sensível dos debates a respeito desse tema e que ainda é alvo de análises inconclusivas até aqui sobre seu impacto na cultura da música eletrônica são os novos espaços que têm recebido eventos. Padarias, supermercados, brunches e afins sendo alvo de batidas 4×4 nos apresentam duas formas de enxergar. Pode-se observar o copo meio cheio e dizer que esses roles importados ocupam novos espaços e atraem novas pessoas para mergulhar no universo da dance music. Além disso, há pessoas que já preferem sair durante o dia/tarde e por isso optam por esse estilo de festa. Por outro lado, o copo meio vazio nos apresenta uma visão mais ácida sobre ouvir música eletrônica em uma padaria. Em primeiro lugar, esse não é um tipo nem um lugar de entretenimento que o brasileiro está acostumado. Os eventos precisam ser bem produzidos, oferecer uma atmosfera convidativa à dança, assim como no exterior, para que faça sentido e não banalize a presença de um DJ e da música eletrônica em locais que o brasileiro não está acostumado a ver.
Cafés da manhã e brunches não tiram o clubber dos clubes, são propostas diferentes com público diferente. Portanto, caso não seja apenas uma onda, vamos torcer para que sejam bem feitos, atraiam grandes DJs cada vez mais e levem a música eletrônica para o maior número de pessoas possível.
Mudança de consumo e jovens com novos hábitos entrando como consumidores no mercado do entretenimento não será a primeira vez que acontece, nem a última. O momento é de transição e ainda estamos tentando entender o caminho que a cena está tomando. Não é de bom tom ser alarmista e promover um discurso de fim dos clubes e da música eletrônica, mas também não devemos fechar os olhos para eventuais dificuldades e mudanças do mercado. Assimilar os rumos e novos padrões será a chave para a manutenção da cultura nos próximos anos.
Por Adriano Canestri