Por Dada Scáthach, Coletivo Lótus, Coletivo Plano e Horny
Foto de abertura: Dada Scáthach por Miakimii
Sabemos amantes de um som sintético dançam a noite inteira e brilham até o sol do meio-dia seguinte – e cá entre nós, eu e você sabemos que muitos ali estão sob efeito de alguma substância química.
Por isso, as produções de festas alternativas consideram articulações para conscientizar o público, promover experiências construtivas e saudáveis, desfazendo o tabu sobre o uso de drogas nesses ambientes e sobre a real intenção da Redução de Danos para quem está em processo de transformação do corpo.
Os cuidados com as pessoas que usam, abusam ou têm alguma dependência em químicos – e lutam para controlar tais hábitos – vêm de grupos e campanhas de auxílio que atuam além do idealismo moralista (que enxerga superficialmente a situação dos que estão nessa luta diária).
Em sua abordagem proibicionista, a abstinência é pautada no medo, no autocontrole punitivo e paranoico, e na enfatização do “poder maléfico das drogas”.
Sendo assim, esse artigo visa desmistificar o significado e propostas da RD.
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Na rede cyberpunk, coletivos e festas propõem-se a mostrar que o uso descontrolado de substâncias pode delimitar a experiência no rolê e causar consequências de curto a longo prazo.
As estratégias surgem porque muitos programas clássicos de abstinência são invasivos, não resultam em qualidade de vida e têm como objetivo o diálogo e a compreensão de formas não paliativas.
Precisamos entender que as pessoas sempre droparam alguma coisa: Rodrigues aponta que o uso de substâncias psicoativas faz parte de qualquer cultura, sendo um hábito presente na história da humanidade.
Havendo a “inevitabilidade do uso de drogas psicoativas, a preocupação deveria ser em fazer com que esse consumo produzisse o menor prejuízo possível ao indivíduo que se intoxica e à sociedade” (RODRIGUES, 2003, p. 4).
Percebe-se que o proibicionismo fica muito mais nocivo à sociedade do que a protege. Esse bloqueio é marcado pela violência e pela exclusão social em níveis alarmantes – em que os efeitos são ainda mais visíveis: as prisões estão cheias de usuários de drogas que se transformam em criminosos para sustentar seu vício. A violência na resolução dos conflitos ligados ao tráfico é generalizada (nenhuma novidade).
As pessoas usuárias de drogas ilícitas não são vistas como pessoas dignas de vida, de direitos, de saúde. Enquanto os hospitais não abrigam, os cárceres são preenchidos por cor, cultura e renda específicas. O Atlas da Violência 2020 apontou:
Apenas em 2018, para citar o exemplo mais recente, os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9, o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos. Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não negras (IPEA. 2020, p. 47).
O Instituto de Prevenção e Atenção as Drogas (IPAD), na falta de definições para esse ato, apresenta a RD como uma abordagem que transforma e minimiza riscos para casos criminais ou de doença, seja ela em reação à transmissão de infecções provindas do sexo ou abuso de condimentos psicoativos, por exemplo.
É uma questão de saúde pública que deve ser relativa para cada caso, considerando as drogas que já são legalizadas (como tabaco), e rejeitando qualquer relaxamento às leis que proíbem o tráfico ilegal. Muitos grupos sociais usam as propostas de Redução de Danos para relativizar suas dependências, mas, de fato, essa abordagem ouve e trabalha com quem busca por mudanças e pela desmistificação desse tabu.
Embora a RD entenda que a abstinência é o melhor medicamento, existem diversos caminhos que também podem ser efetivos. Muitas festas underground passaram a explorar as redes sociais como uma plataforma de ajuda mútua, enfatizando uma re-educação individual e coletiva. No fim das contas, a discriminação e a desinformação são opositores de qualquer avanço!
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Durante a pandemia, o acesso à saúde pública foi dificultado ainda mais para populações de risco. Buscando o entendimento técnico-científico, o Coletivo Lótus (atuante nas festas de música eletrônica de Porto Alegre, como as realizadas pelo Coletivo Plano), apresentam uma abordagem direta e sem julgamentos, buscando – através da empatia – aumentar os fatores de proteção e diminuir danos.
Diante das crises associadas a efeitos de usos psicoativos, o Lótus busca reduzir a demanda por internações ou medicalização desnecessárias, atenuando momentos de crise ou evitando novos episódios de instabilidade. Dentro ou fora das paredes suadas, os ativistas se comprometem a atingir o público com testes colorimétricos e kits sniff, além de promover informação e cuidado.
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O chemsex (ou ‘chemical sex’, sexo sob substâncias químicas) tem se tornado cada vez mais comum entre homens gays e bissexuais. Em um artigo para a Carta Capital, o psiquiatra Bruno Branquinho pontua que, sob o uso de drogas (sendo elas GHB – gama-hidroxibutirato -, GBL – gama-butirolactona -, metanfetamina, mefedrona, MDMA, poppers, cocaína, entre outras), os indivíduos são expostos a riscos como transmissão de ISTs, lesões e dependências. Muitas vezes, essa ‘submissão’ está ligada a inseguranças relacionadas à sexualidade causadas pela homofobia social.
Em Belo Horizonte, os clubbers mais fogosos têm como papel principal criar espaços de diversão segura e livre. Com imensa responsabilidade social, a festa Horny provoca um movimento de expressão sexual Queer, discute sobre sexo e sexualidade através de perfomances artísticas, representatividade no line-up e staff. Também usando as redes sociais, promove rodas de conversas com profissionais da saúde, campanhas impressas e digitais sobre prevenção combinada e distribuição de preservativos.
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O narcotráfico no Brasil é favorecido devido a sua localização geográfica na fronteira da Colômbia e da Bolívia – grandes produtores de cocaína e ópio.
Entre as drogas preferidas pelos brasileiros, encontram-se maconha (a mais consumida do mundo em 2016), cocaína (responsável por 5% dos óbitos relacionados ao consumo geral) e ecstasy, situando o Brasil entre os países que mais consomem no continente sul-americano.
Logo no início dos anos 1900, o lança-perfume ficou popular entre os foliões abrindo portas para discussões sobre o uso dessa e de outras drogas durante o Carnaval. Em 2019, BH teve 54% dos atendimentos médicos relacionados ao excesso de substâncias legais e ilegais. Segundo a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), ingerir álcool nocivamente pode levar a mais de 200 doenças e lesões a curto ou longo prazo, matando anualmente três milhões de pessoas.
Nesse período de festas, muitos usaram os dias de folga para ‘viajar’ em busca de prazer. Em 2020, o último grande rolê pré-pandemia recebeu apoio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) que, através da Subsecretaria de Políticas sobre Drogas, em parceria com as secretarias de Estado de Educação e Saúde (dentre outras) e com a Polícia Militar, realizou uma série de ações preventivas ao uso/abuso de álcool e outras drogas através da campanha “Neste Carnaval, se cuide! Não abuse”, com intenção de dar foco aos dados de violência, acidentes de trânsito e infecções por relações sexuais desprotegidas.
As mobilizações atingiram os municípios de Araguari, Uberlândia, Uberaba, Delta, Itamarandiba, Diamantina, Inhaúma, Pitangui, Caeté, Jeceaba, Ouro Preto, São Brás, Ressaquinha e São Vicente.
“Lamentavelmente, neste período de Carnaval a sociedade tende a ser um pouco mais permissiva em relação ao uso/abuso de álcool, tabaco e outras drogas. A perspectiva é que a campanha aborde a temática de prevenção, por meio de uma mensagem positiva a favor da vida, visando chamar a atenção sobre os fatores de proteção às drogas, tais como: o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, o desenvolvimento de habilidades sociais, o convívio saudável, a autoestima desenvolvida, o respeito às normais sociais, a boa inserção e adaptação no ambiente escolar, enfim, a construção de um projeto de vida”, diz Soraya Somina, subsecretária da Sedese.
No artigo “Alcohol and COVID-19: what you need to know” (Álcool e COVID-19: o que você precisa saber), a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta para o aumento do uso de substâncias durante o isolamento social, muitas vezes propagado através de plataformas como redes sociais, TV e sites.
A comunidade da música se atentou a isso após as polêmicas envolvendo cantores sertanejos que realizavam lives patrocinadas por empresas de bebidas alcoólicas, promovendo e naturalizando o uso excessivo das mesmas. As facilitações de compra criadas por produtores de festas, bares e empresas de bebidas – como descontos, combos e sistemas de entrega -, se apresentam como uma alternativa para manter o comércio girando. Entretanto, a falta de conscientização sobre o consumo em casa traz consequências como violência doméstica (tal qual o aumento de 22,2% do feminicídio em 12 estados brasileiros durante o isolamento), depressão e ansiedade.
Em um momento de fragilidade mundial, as preocupações tomam conta da rotina de cada indivíduo. O medo da contaminação e da instabilidade econômica provoca um senso desesperado em busca de suprir faltas relacionadas ao novo estilo de vida.
O uso de psicotrópicos como fuga do tédio, estresse ou carência, diz muito sobre a atenção necessária voltada aos usuários, e a Redução de Danos trata tais desvios de maneira séria e com responsabilidade. Abaixo, algumas plataformas de conscientização:
Escola Livre Redução de Danos
Saúde Mental Crítica
ABRASME
Que Droga É Essa?
Centro de Convivência É De Lei
Beba água!