Entrevista exclusiva: ADAM BEYER fala sobre Drumcode, família, techno e felicidade


Por: Gabriela Loschi

* entrevista publicada na House Mag impressa #46

Há 20 anos, na Suécia, ele criou o que hoje é considerado um dos mais consistentes e importantes labels de techno do mundo. Adam Beyer e a Drumcode cresceram juntos, acumulando sucessos recorrentes ao longo de duas décadas, descobrindo e lançando artistas novos e muitas vezes liderando os próximos passos da cena.

Adam atravessa o melhor momento de sua carreira e também pessoal e familiar. Resume a vida que leva ao lado da esposa e também DJ de techno Ida Engberg, em uma sentença: “é uma chance em um milhão”. Felizes e pais de três filhos, dividem o gosto musical e a cabine em diversos b2bs históricos. Sua festa de casamento este ano não poderia ter sido em outro lugar que não o Berghain!

 

 


Durante o Amsterdam Dance Event 2016, Adam apresentou o Drumcode showcase no Awakenings e, em meio a uma agenda apertada e concorrida, escolheu a House Mag para dar uma das únicas entrevistas que concedeu na capital holandesa. No saguão do hotel em que estava hospedado, falou sobre o label, promessas, Ida e a decisão dela de se afastar da carreira para cuidar dos filhos, paternidade, felicidade e, claro, techno. Confira:

 

HM: Oi Adam, obrigada por nos receber. No Brasil, nós não ouvimos muito sobre a cena de Estocolmo — quando falamos em techno, pensamos em Detroit, Berlim ou Reino Unido. Como a sua terra natal influenciou na sua formação musical?

Adam Beyer: Eu comecei nos anos 90, influenciando por muitas coisas diferentes. A cena sueca — se formos considerar que de fato houve uma cena sueca —, teve seu grande momento no fim dos anos 90. Era muito ligada a Estocolmo, com nomes como o meu, Cari Lekebusch, Joel Mull … Mas depois acabamos dissolvendo um pouco; cada um seguiu seu próprio caminho, e eu não chamo mais o que faço de “som de Estocolmo”, é um lance mais global. Assinamos com pessoas de todo o planeta no nosso selo, então isso mudou bastante..


HM: O techno está sempre em voga, mas ao mesmo tempo está em evidência em muitos lugares, como no próprio Brasil.

AB: Sim, eu fui muito requisitado no Brasil no começo dos anos 2000, na época do hard techno. Eu tocava um som bem pesado naquele tempo, então caía bem, toquei em alguns clubs e raves em São Paulo.


HM: A Drumcode está completando 20 anos e continua colocando no mercado algumas das principais e mais consistentes produções. Fazendo um balanço, como funciona a estrutura do label atualmente? Você gosta de direcionar os aristas?

AB: Ao longo de todos esses anos, tivemos muitas conversas sobre aonde queríamos chegar em relação à música, sobre o que fazer, que passos dar. Para alguns artistas eu dou as direções sim; às vezes em relação a uma sonoridade, outras em relação à mixagem. Mas acho que um dos segredos do sucesso é que eu estou sempre renovando o selo, procurando novos artistas, em vez de me manter preso aos mesmos nomes de sempre. O Joseph Capriati, por exemplo: chegou e nós o ajudamos a se tornar grande o suficiente para voar por conta própria, estou super feliz por ele. A partir daí, seguimos nosso trabalho em descobrir novos talentos.

 


HM: Você é um artista experiente. A profissão é gratificante, mas às vezes pode ser também muito louca, há muitas coisas com que os artistas têm de lidar. Do meu ponto de vista, você é um cara relaxado e centrado. Como você lida com as loucuras e os excessos da profissão? E você orienta, ajuda os artistas mais novos do label a lidar com esses excessos?

AB: Acho que parte disso se deve à personalidade. Eu escutei bastante as pessoas mais experientes quando eu era mais novo. Estava junto dos DJs mais velhos, observava o que eles faziam. Então você aprende a lidar com isso, você aprende os seus limites. A diferença, por exemplo, entre os DJs de techno e os de EDM, é que para nós atingirmos o sucesso, são necessários pelo menos uns dez anos, pra começar a se tornar um nome grande, e aí mais uns dez anos pra se tornar gigante. Para eles, é necessário um ano. E com um ano, você não pode se tornar experiente, ou aprender qualquer coisa. Então para muito dos caras da EDM, eles crescem, se tornam enormes, fazem muita fama, muita festa, e aí chega um ponto em que eles não conseguem lidar com tudo isso. Pra nós, porém, é um processo de maturação bem mais longo, então o impacto é bem menor. Hoje eu sei o que eu posso e o que eu não posso fazer, então eu faço tudo com moderação e disciplina. Você tem que cuidar de si mesmo, do seu corpo, da sua mente, e trabalhar duro.

 

_mg_8428_500


HM: E você tem uma família, agora você é casado. Muitas vezes, dentro desse estereotipo familiar, muitos não conseguem conceber um DJ tendo família, filhos, especialmente se for mulher. Como é pra você essa questão?

AB: Acho que tive sorte em conhecer alguém como a Ida [Engberg]. É difícil encontrar alguém que tenha o mesmo trabalho que você tem, e dividir essa paixão. A Ida conhece a música, os bastidores da música, da cena, ela conhece todo mundo… E nós estamos há cinco anos tentando encontrar a melhor maneira de como fazer essa relação funcionar. É muito difícil, nós temos três filhos pequenos, meus pais ajudam, mas chegamos à conclusão de que o melhor seria ela dar um tempo com a sua carreira. Ela inclusive soltou um comunicado falando sobre isso. Então cancelou vários shows, e vamos ver como será em 2017, de repente voltando mais devagar — mas por um tempo ela vai ficar em casa.


HM: É o que ela quer?

AB: Sim, ela está ok com essa ideia. Ela sempre disse que no dia em que tivéssemos filhos, a família estaria acima de tudo. É uma família, dividimos tudo; ela está se recolhendo agora, pois ela faz muito mais do que eu na criação deles. Eu estou criando três filhos também, mas estou boa parte do tempo longe de casa. Na Suécia enxergamos a criação das crianças de maneira muito específica. É assim que estamos lidando com isso. A Ida ainda é uma parte central disso tudo, ela tem muito impacto em tudo o que está acontecendo. Tenho certeza que ela voltará em breve.


HM: Você acha que é mais difícil para uma mulher estar nessa situação?

AB: Eu poderia estar assumindo esse papel também, mas acabou sendo ela. Mas eu não me imagino parando assim dessa forma. Eu sinto que trabalhei por tantos anos pra chegar aonde cheguei agora, e estou no auge da carreira. Parar agora seria loucura. E também não é como se eu estivesse o tempo todo fora. Eu vejo muito meus filhos; no verão sim, fico bastante tempo viajando, mas agora, por exemplo, fico longe uma ou duas noites durante a semana, e nos finais de semana também, mas às vezes chego a ficar em casa por dez dias. Acho que agora encontramos a melhor maneira, está funcionando. Eu tenho uma equipe com cinco pessoas que me ajudam também. É muito mais difícil pra um DJ que está no começo da carreira, sozinho, sem as devidas condições, e tem um filho. Acredito que tem que ser pai no momento certo.


HM: Ser pai modificou a sua forma de fazer música?

AB: Acho que o grande lance é que desde que conheci a Ida e tivemos filhos eu me tornei uma pessoa mais feliz. E acho que isso se reflete na minha música e na minha rádio, na mensagem que transmito com elas. Agora é mais sobre o amor, e essa coisa de estarmos juntos, dividindo bons momentos…

 

_mg_7971_500


HM: Você também tem uma rádio, transmitida há muitos anos em mais de 50 países por muitos e muitos anos.  É o seu outro filho… O que a rádio te ensinou ao longo de todos essas anos e o que você quer ensinar às pessoas através dela?

AB: É um comprometimento muito grande ter um podcast transmitido por semana. Então eu diria que o programa é algo que me mantém sempre ligado na música, porque transmito uma hora de sets ao vivo, tendo sempre que trazer coisas novas. Temos muitos ouvintes no mundo todo, sob vários aspectos: alguns usam as transmissões pra malhar [risos], outros pra se animar… É algo que tem muito alcance. É uma maneira maior de se aproximar dos seus fãs.


HM: Você está lançando um álbum de remixes do Moby agora. Como aconteceu, quem teve a ideia, que artistas estão envolvidos?

AB: A ideia veio do Moby. Ele e seu manager decidiram fazer alguns remixes de suas músicas. Em vez de lançar por conta própria, quis fazê-lo por algumas de suas labels favoritas. Ele tem um gosto musical bastante abrangente, então acho que ele selecionou seus selos favoritos sob a ótica de gêneros diferentes. Já saíram uns mixes de trance, o Loco Dice mixou outras mais tech house, ai a Drumcode e alguns outros. Então foi assim que começou, com ele nos mandando uma mensagem. Sempre gostei do som dele, especialmente dos mais antigos. Eles pediram dois artistas nossos, que são Bart Skills, holandês, e Manic Brothers. E pediram para indicarmos outros. Convidamos então o Alan Fitzpatrick, Luca Agnelli, Enrico Sangiuliano, e outros. Ele está ouvindo para ver quais ele gosta.

 


HM: Normalmente suas produções e os releases da Drumcode são todas originais. Qual é a sua relação com os remixes? Acha que são importantes?

AB: Eu gosto de faixas originais, especialmente pro selo. Nós nunca fomos tão grandes assim em relação a remixes. Mesmo com alguns de nossos maiores hits, não produzimos remixes. Porém, quando se trata de trabalhar com alguns dos grandes nomes da história da música eletrônica, como o Moby, eu achei que seria um ângulo interessante trabalhar em suas faixas, algo diferente ao nosso label. Porque a Drumcode não é a mesma coisa, mas é similar.


HM: Como nós estamos em Amsterdam, estou fazendo essas perguntas aos artistas que entrevistamos por aqui. Um dos temas do ADE deste ano foi sustentabilidade, mudanças sociais e inovação. Quão importante é para um DJ mostrar um posicionamento sobre esses assuntos para motivar pessoas?

AB: Se você pode e tem algo interessante a dizer, você deve compartilhar seu conhecimento e influenciar positivamente o mundo. Infelizmente, às vezes, o que eu vejo são pessoas ignorantes, ou que não têm nada melhor pra fazer, que começam discussões políticas, descendo o nível, xingando e até mesmo trollando os outros, utilizando palavrões. Então ser um artista com um posicionamento político é algo que traz uma grande bagagem, é algo que você deve pensar bem antes de fazer. A Ida tem feito bastante, fazendo vários posts, ela tem sido muito ativa em relação aos direitos dos animais, por exemplo, o que eu acho ótimo. Ela está satisfeita em tomar frente nessa luta, e eu admiro pessoas assim, acho que mais gente deveria fazer o mesmo.

 

screen_shot_20170327_at_4.00.10_pm

 

HM: O Brasil está passando por uma situação política conturbada, passamos por um processo de impeachment e há muita corrupção sendo investigada. Sentimos que as coisas no Brasil são piores do que em qualquer outro lugar. Como que vocês sentem a política no seu país hoje em dia? 

AB: Acho que existe uma percepção geral de que as coisas estão piorando no mundo todo, ou ao menos mudando. Não tenho certeza, por um lado vejo reportagens dizendo que o mundo nunca esteve tão bom quanto hoje, com as pessoas vivendo mais, menos guerras, menos pobreza. Eu ouço sobre essas possibilidades também, mas tenho uma impressão maior de que as coisas estão colapsando, não sei bem o porquê. Em termos de política, vejo uma falta de políticos de verdade. Olhe as eleições nos Estados Unidos, o mesmo ocorre na Suécia. Não vejo esses políticos que temos hoje tendo tanta legitimidade quanto se tinha anteriormente. Virou algo muito mais populista, provavelmente por causa da internet e de toda essa desinformação que vemos, com falsos lados, falsas notícias, e ninguém sabe mais no que acreditar.


HM: E todo mundo acha que sabe tudo ou mais que o outro…

AB: Exatamente, por causa da internet!

 

_mg_7755_500


HM: ADE 2016 também está falando sobre novos gêneros e variedades musicais. O que foi mais impressionante que vocês viram ultimamente em termos de música?

AB: É uma boa pergunta. Pra ser bem sincero, eu não vejo tanta coisa muito inovadora hoje em dia. Nos últimos anos teve muita coisa boa, mas nada que realmente me pegou por ser super diferente. Tem muita música boa por aí, muito techno bom, mas não vejo nenhum som ou gênero novo. Acho que depois de 20 ou 30 anos de música eletrônica, é difícil vir com coisas completamente novas e temos que aceitar isso, mas ainda há músicas maravilhosas, porém não consigo dizer algo extraordinário agora, uma banda ou grupo ou música específica que realmente me pegaram, exceto pelo material da Drumcode [risos]!


HM: Quem você considera que teve um grande ano?

AB: Vou ter que falar de um dos nossos, temos uma track do Enrico Sangiuliano que teve uma magnitude incrível. Acho que ele é um dos artistas que estouraram em 2016 na cena techno, mas 2017 será o seu grande ano. Ele lançou um EP de quatro faixas conosco — três originais e um remix. Ele conseguiu atualizar o som da Drumcode, ele é um engenheiro treinado, foi um ghost producer, mas não quer mais fazer isso, quer focar em sua própria carreira. E você pode ouvir influencias modernas, não de EDM, eu não quero dizer EDM porque não é, mas a produção é inteligente, vanguardista. Esse é um cara pra ficar de olho.

 

Fique por dentro