Por: Anderson Santiago (com colaboração de Gabriela Loschi)
Fotos: Divulgação, Carol Mendonça, Ale Frata, i Hate Flash
A quinta edição do Lolapalooza no Brasil levou 160 mil pessoas (de acordo com a organização) ao autódromo de Interlagos no último fim de semana (12 e 13 de março), um número bastante expressivo até para as edições anteriores, que receberam menos público (em 2015, foram 136 mil). Se alguém ainda acreditava que o Lolla era um mega evento focado em rock, um aviso: não só essa barreira de um estilo único definitivamente caiu – e não é de hoje – como o espaço para a música eletrônica no festival aumenta a cada ano.
Definitivamente foi mesmo ela – a música eletrônica – quem mais ganhou espaço no balaio dos gêneros. A começar pelo palco dedicado ao estilo que leva o nome do criador do festival (Perry Farrell) e nesta edição teve patrocínio da marca Trident, sofrendo um belo “upgrade”. Se no ano passado os DJs faziam seus sets numa tenda tipo de rave, em 2016 esse patrocínio deu liga para o Lollapalooza transformar o stage do Perry um palcão com excelente estrutura, soundsystem de primeira e LEDs impecáveis, onde cabiam mais de 15 mil pessoas.
Voltando de novo a 2015, a EDM foi a protagonista da vez no festival, apelidado de “Lolla dos DJs”, com apresentações de estrelas do naipe de Calvin Harris, Steve Aoki e Skrillex. Desta vez, no entanto, o bass, o trap, o hip-hop e o dubstep tombaram a EDM mais clássica e se aglutinaram na escalação em todos os palcos. Em meio a atrações mais tradicionais de rock, como Mumford & Sons, Albert Hammond Jr e Bad Religion, brilharam, foram do Perry, e nos mesmos palcos que antes só eram dedicados ao rock, o trap pop do Jack Ü (projeto do Diplo e do Skrillex), a rave demoníaca do Die Antwoord e o eletrônico psicodélico irretocável do Tame Impala. Sem falar no Kidspalooza, tenda dedicada às crianças, que estava lotada de grandinhos na animada apresentação do Lazy Bear, por exemplo.
Quanto à estrutura, o Lolla se aperfeiçoa a cada edição. O autódromo é um local enorme e andar (e se cansar, e ficar morto) faz parte da experiência de um festival desse porte, portanto, é sempre bom chegar preparado com tênis confortáveis e bastante disposição. Poucas filas nos caixas, nos bares e muitos banheiros espalhados por toda a área foram pontos positivos, sem falar nas opções de alimentação – além do Chef Stage, havia muitos food trucks e barracas de comida em todos os cantos. Teve quem reclamou um pouco do volume do som do palco Ônix no sábado, assim como vazamentos de som em alguns outros. Mas não foram tantos os problemas. Vida longa ao Lollapalooza Brasil!
Veja abaixo o review das atrações eletrônicas que foram flagradas pela nossa equipe:
SÁBADO, 12/3
A-Trak
Como bom DJ que sabe tocar para diferentes tipos de público, A-Trak começou seu set destilando de cara seus hits que mais flertam com a música pop como a ótima “Push”, que tem vocal do Andrew Wyatt, do Miike Snow, e o remix para Heads Will Roll, do Yeah Yeah Yeahs. Ganhou o público. Depois dessa primeira parte, o canadense mostrou seu lado “mano”, mais hip-hop e original, mixando trap com EDM, fazendo scratches e mandando até sample de “Tá Tranquilo, Tá Favorável”, o hit do MC Bin Laden que conquistou diversos DJs gringos.
Groove Delight
A paulista que está crescendo bastante atualmente e conquistando cada vez mais corações, estreou no Lolla levando o seu electro/techno para o Palco Perry/Trident. Fez um show energético, colocando todo mundo pra dançar. Um dos grandes momentos da apresentação foi quando ela soltou o seu remix de Alan Vouke – Uma ameaça foi Detectada.
RL Grime
Trap e dubstep pesadões e obscuros tomaram conta do palco eletrônico durante a apresentação do jovem californiano. Não é um som fácil, tampouco super dançante, mas é hipnotizante e bem feito – e foi conquistando o público bem aos poucos. Sem muitas firulas e sem pose de “superstar DJ” (foi um dos únicos que não subiu na mesa de som no primeiro dia, ufa!), mostrou a que veio, sem deixar de tocar seu remix de “The Hills”, do The Weeknd, cantado em coro pela galera.
Flosstradamus
Enérgica, a dupla botou todo mundo para dançar ainda mais o mix de trap com EDM que tanto vigorou no Lolla deste ano. Enquanto Autobot comandava, na maior parte do tempo as pick-ups, J2K estava em cima da mesa fazendo o papel de animador de torcida e gritando “make some noise” e “put your hands up” o tempo inteiro.
Além de faixas e remixes poróprios, a dupla tocou duas músicas do Jack Ü: “Take Ü There” e o megahit “Where Are Ü Now”, com a qual finalizaram o show.
Die Antwoord
De longe, foi o melhor show eletrônico do sábado. O duo de rappers sul-africanos Ninja e Yo-Landi Vi$$er transformaram o palco Axe numa rave satânica da qual era impossível ficar indiferente, o negócio era mesmo se entregar ao ritual. Sem o DJ Hi-Tek, que acompanha e faz a base eletrônica de toda a performance usando uma máscara demoníaca, certamente o espetáculo não seria o mesmo. Entre um hit e outro, a mistura certeira de trance, house e trap que ele mandou funcionou com maestria para um show hardcore e animadíssimo, guiado também por imagens com frames dos malucos videoclipes da banda, de monstros e até de pênis voadores ejaculando. A voz de Yo-Landi mostrou-se tão estridente quanto envolvente (como pode?) em faixas que são ainda mais poderosas ao vivo, como “Pitbull Terrier” e “Baby´s on Fire”.
E que fôlego eles têm: além de cantar, mostravam o traseiro, trocavam de roupa, faziam insinuações sexuais com a língua e com o dedo do meio o tempo inteiro. Ou seja: um espetáculo pro-i-bi-do para menores, conservadores e gente com estômago fraco em geral.
Tame Impala
Uma apresentação perfeita, do início ao fim, para os amantes da banda australiana, que dessa vez apresentou uma nova fase com a turnê do disco “Currents”, no Brasil.
Foi também uma das que mais arrancou gritos da plateia. Kavin Parker estava animadasso; deixou a guitarra de lado e carregou nos sintetizadores, mostrando que o pop e o eletrônico estarão cada vez mais presentes em seus shows.
Alok
O brasiliense apostou em um set recheado de hits, novos e antigos, e até mashups de músicas da época do psytrance, como “Rounders” e “We will Never Die” (Growling Machines) e “Enjoy the Silence”. Seguindo a tendência de outras apresentações, Alok misturou vários estilos mais pop e acessíveis em sua apresentação, assim como pedaços de rock clássico. A sintonia entre a música, projeções, vídeo, efeitos especiais, fogos e iluminação estava impecável durante toda a apresentação. A voz distorcida no microfone tirava gritos da galera quando agradecia ao público e dizia “boa noite São Paulo”.
Kaskade
Veterano e residente do Lollapalooza mundial, Kaskade fez uma das apresentações mais dançantes e aclamadas do sábado, fechando o palco Perry depois do bom aquecimento do brasileiro Alok. Com a pista não tão cheia – e a vantagem de ter espaço de sobra para dançar, ele mandou um set bem mixado, calcado em house com pitadas de EDM, cheio de melodia e vocais e poucos gritos exagerados, mixando hits como “Call My Name” a bons momentos de house progressivo e até techno. Ele tocou inclusive a funkeada “Rock U”, do brasileiro VINNE, mas a maioria das faixas tocadas eram próprias. Foi uma bela apresentação que não perdeu o fôlego até a última faixa e surpreendeu muita gente que não botava tanta fé na apresentação dele. Foi tido como um dos melhores sets do sábado.
DOMINGO, 13/3
Karol Conka
Trap music nacional, com muito rap e sintetizadores, marcando presença no palco Perry! Sem dúvidas a rapper curitibana mandou o seu recado neste Lolla. Apesar de tocar bem cedo, o gramado foi tomado por uma imensa multidão que se jogou em seu show poderoso, energético e cheio de atitude.
Teve mensagens feministas, hits como o “Tombei” e teve também a participação de MCs, como Carol, Tchelinho e Leo Justi (do Heavy Baile), que mandaram a música nova do Tropkillaz e do Leo Just, “Toca na Pista” – ainda não lançada.
Duke Dumont
Foi um dos poucos shows do festival voltados ao house mais tradicional, com faixas repletas de vocais, grooves contagiantes e público dançando como numa pista da dança mesmo. Apesar de Dumont ser uma máquina de fazer bons hits, ele construiu um set bem fresh e super-dançante no qual intercalou seus sucessos, como “Need U (100%)”, com algumas surpresas, como a já querida de muitos DJs “Opus”, de Eric Prydz (a versão remixada pelo Four Tet). Terminou com seu lançamento mais recente, a romântica “Ocean Drive”. Foi um ótimo respiro de house no meio de tanto trap e bass!
Odesza
Devo admitir que, quando soube que a dupla norte-americana de música eletrônica experimental tocaria no palco Axe, pensamos que só meia dúzia de fãs iriam vê-los, uma vez que são pouco conhecidos por aqui. Engano nosso: o palco estava lotado, com muita gente ansiosa para curtir um dos únicos lives eletrônicos do Lolla.
E não houve decepção: no palco, eles se entregam às batidas que oscilam de baixo a alto bpm e misturam música viajante e futurista (que lembra ambient) com house, tecno e dubstep(!) que faz os quadris remexerem.
Tudo acompanhado por um músico tocando trompete, o que enriquece a sonoridade ao vivo. Um dos pontos altos desse belo espetáculo foi quando Harrison Mills e Clayton Knight mandaram o hit cheio de suingue “Say My Name”.
Gramatik
Com sua mistura de eletrônica com hip hop e muito groove, o sloveno Gramatik fez uma das apresentações mais esperadas do festival. Foi um set inovador, já que é um som que não é muito popular no Brasil, o glitch hop. No ano passado, o Big Gigant tocou o mesmo gênero e levou o público à loucura.
Zeds Deas
Os dois rapazes canadenses usaram trap e o dubstep para conquistar a plateia misturando faixas e samples não só de EDM, mas de músicas românticas antigas e até reggae. O resultado é uma mistura um tanto inusitada, que não deve ter agradado os clubber mais puristas, mas que fez muita gente se sentir nostálgica.
Jack Ü
O show eletrônico mais aguardado da noite reuniu um público gigantesco no palco mais afastado do Lolla, o Ônix, provando o que todos já sabem: Diplo e Skrillex já conquistaram o patamar de “superstar DJs”. No set, o dubstep pesadão de Skrillex leva o público à loucura, enquanto rolam remixes pop feitos pelos dois produtores e samples de funk e pop brasileiro, com a participação ao vivo do MC João. Claro: Rolou “Baile de Favela”. Rolou até o remix do Omulu de “Veja só no que Deu”, do Wesley Safadão! A mistura de alguns ritmos brasileiros mais populares parece não ter limites para a EDM. Como bons showmen, os dois gritam o tempo todo, pedem mãos para o alto, sobem na mesa de som, correm no palco e até chamaram o MC Bin Laden para dançar ao som de seu hit “Tá Tranquilo, Tá Favorável”.
Catarse geral! O espetáculo do Jack Ü é prova de que, definitivamente, não há mais barreiras entre música pop, sons de gueto, funk, trap, bass, dubstep e hip-hop. E até o sertanejo e o forró…
Zedd
O produtor russo naturalizado alemão Zedd, encerrou o palco eletrônico do Lollapalooza Brasil 2016 com o seu extended remix de “Alive”, do Empire of the Sun. Foi pura energia! A pista estava em chamas. O set foi cheio de surporesas, entre elas a aparição do Jack Ü! Em um momento mais trap e dubstep, Skrillex mandou a faixa “Clarity” ao vivo e Diplo lançou “Jungle Bae” – que foi tocada outras vezes durante o festival. Zedd também manteve e tendência das misturas com brasilidades e soltou hit atrás de hit, como a track “I want you to know”, dele com a Selena Gomez.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES:
– Como em todo festival grande, algumas faixas foram tocadas mais de uma vez. “X-Press”, do Promisse Land, por exemplo, foi tocada por Kaskade e Zedd. A “Jungle Bae” foi tocada no show do Jack Ü e no show do Zedd (pelo Diplo).
– A música brasileira definitivamente ocupou um grande espaço neste Lolla. Não só em termos de artistas, nem dos ritmos populares do Brasil que invadiram os sets dos maiores DJs do mundo. Kaskade tocou a funkeada “Rock U”, do brasileiro VINNE com Malik Mustache e N.E.ON e vocal da Samantha Nova.
– O show do Kaskade, por sinal, foi muito aclamado por conter elementos de uma EDM que seria, digamos, mais clássica, sem aqueles barulhos ensurdecedores. Mais melodia e house, progressivo de rádio, mas sem apelação e realmente mixado. Ponto alto do fest – e pra ele!
– Falando em EDM, esse ano, como já dissemos, não é que ela perdeu espaço – não tinha como perder tanto espaço, tendo em vista que grande parte do público do Lolla 2016 é teen -, mas se misturou muito mais a ritmos ligados ao bass e hip hop. O “trap-edeêmico” predominou. Em outros momentos, o house progressivo mais cantado e melódico fez às vezes do gênero. Porém, os espetáculos de fogos, serpentinas, brilhantinas e todo aquele arsenato de efeitos que acompanham os shows de EDM, estiveram presentes nos palcos onde a música eletrônica passou.
– Por outro lado, ao longo das quatro últimas edições, o Lolla já investiu em gêneros como o dubstep e o drumstep. Artistas como Rusko, Skrillex, Feed Me e Bassnectar podem ser citados como prova de que o gênero era forte entre os anos 2012 e 2013. Já entre os anos 2014 e 2015, o festival mesclou muito mais os gêneros dos palcos: de Disclosure à Calvin Harris, e de Nine Inch Nails à DJ ANNA. E neste ano, artistas como RL Grime, Flosstradamus, Jack Ü (Skrillex + Diplo) e Karol Conka, são prova de que o trap music está em alta. Leia mais.
– Quer o público goste ou não, “Baile de Favela”, “Ta tranquilo ta favorável” e Wesley Safadão são hoje expoentes máximos da cultura mais popular brasileira. É natural que artistas como Skrillex e Diplo se aproveitem deste fato (já “consagrado” previamente por Hardwell) para bombar ainda mais suas apresentações e se aproximarem do público brasileiro. O que não significa que nunca tenham tocado ou misturado funk em suas produções. Pelo contrário, ambos os artistas carregam elementos variados e Skrillex inclusive ficou famoso ao incluir uma batalhada de gêneros em suas apresentações que ficaram mais famosas pelo novo dubstep gritante. Fato é que o Lolla é um festival de massa. E quando Zedd encerrou o segundo e último dia do Lolla, adivinha qual doi a música que a multidão saiu cantando, na saída do festival? Só deu ela: “Baile de Favela” se tornou um coro coletivo quando todos os palcos já haviam encerrado e os últimos fogos anunciavam o fim do Lollapalooza Brasil 2016.