Por Marllon Gauche
Foto de abertura: divulgação
Ele já foi ovacionado por multidões, mas também tocou para públicos pequenos. Sempre foi um apaixonado declarado por música e nunca deixou de ficar muitos passos longe dela. Mauricio Bischain, o DJ Mau Mau, acumula uma história que ultrapassa diversas gerações, são pelo menos 33 anos de pista participando das transformações da cena e colaborando com a sua evolução, deixando uma marca inesquecível para qualquer artista que for olhar para o passado.
Começou tocando no porão do casarão mais underground da cidade de São Paulo, o Madame Satã, reduto de punks, góticos e modernos. No final dos anos 80, conquistou residências em locais como Club Malícia, US Beef Rock, Rouge Neon e Walkabout. Tempos depois, fez parte de importantes capítulos do Hell’s Club, na época, o primeiro afterhours do Brasil. Uma curiosidade é que, oficialmente, sua carreira teve start apenas no ano de 1987.
Muitos outros clubs do país tiveram o prazer de ter Mau Mau colaborando com suas noites undergrounds, o que aconteceu também com vários outros lugares do planeta. O artista acumulou dezenas de prêmios, fundou duas gravadoras (Tropic Records e M. Music), recebeu convites de grandes estrelas para collabs e remixes, conheceu diferentes países e culturas, tocou em eventos e festivais grandiosos, mas, de forma alguma, deixou-se levar para qualquer tipo de estrelismo, sempre mantendo a classe e o respeito consigo dentro ou fora das cabines.
Foto: divulgação
São poucos os personagens que ainda atuam de forma consistente no momento atual da cena que podem, de fato, dizer que colaboraram para ela ser o que é hoje. Atualmente, DJ Mau Mau é residente do Superafter no D-Edge e no Clube Jerome; mantém ainda projetos paralelos como o 2Attack com Paula Chalup, o aclamado B3B com os DJs Renato Cohen e Anderson Noise, onde os três se revezam na cabine durante a noite toda, e seu novo coletivo Gang.
Para saber como anda a vida desse icônico mestre da discotecagem, fizemos algumas perguntas nessa entrevista super especial!
HM – DJ Mau Mau! Sempre um prazer e uma honra conversar com você. Mudanças, transformações, evolução, muita coisa aconteceu durante estes mais de 30 anos de carreira, porém, existe algo em você que permanece irretocável até os dias atuais?
A paixão por música e pelo meu trabalho de DJ e produtor musical seguem intactas. Sou privilegiado por conseguir manter minha profissão, por tantos anos, fazendo o que gosto. O interesse na pesquisa musical — descobrindo novos sons, produtores e selos independentes — são a base de toda a minha trajetória. A alegria e prazer de construir novos sons em estúdio e, depois, poder tocá-los em uma pista de dança, em clubs e festivais são combustíveis para a alma.
Foto: I Hate Flash
HM – Você se lembra como e por que decidiu começar a discotecar? Se você não fosse um DJ, consegue imaginar o que estaria fazendo hoje?
No início dos anos 80, frequentei o lendário Madame Satã, em São Paulo, onde comecei a admirar o trabalho totalmente fora do convencional dos DJs Marquinhos MS e Magal. Nesse período, me interessei pela profissão, tendo esses dois grandes profissionais como inspiração. Comprei toca-discos e passei a frequentar as principais lojas de discos no centro de São Paulo.
Em uma delas, a Bossa Nova Discos, conheci o querido amigo DJ Mauro Borges (falecido no ano passado), que sempre me mostrava os lançamentos em vinil. A arte da discotecagem virou meu passatempo preferido, dividindo meu tempo com o trabalho de caixa no banco Bradesco e as aulas de dança. Somente depois de cinco anos, o hobby se tornaria profissão.
Minha paixão por música iniciou muito antes das noites no Madame Satã, foi por meio da dança, ainda na adolescência. Fui dançarino, coreógrafo e professor de dança contemporânea. Participei de grupos importantes como, por exemplo, a Companhia de Dança Jacy Homers. Com a chegada do break dance no Brasil, montei dois grupos nesse estilo, o New Robots, onde faturei alguns concursos de dança em matinês e programas de auditório e também no espetáculo Prisma, de Cesar Camargo Mariano.
Anos depois trabalhei no DMC Brasil e fui incentivado a montar outro grupo, o Dance Division, voltado ao street dance. Foram várias apresentações em casas noturnas, programas de TV e principalmente na LM Music, primeira festa eletrônica no Brasil com nomes de peso, como Moby, Altren 8 e Mark Kamins. Então, se não fosse DJ, provavelmente estaria envolvido na área da dança ou publicidade.
HM – E como é estar na posição de uma das maiores referências da música eletrônica nacional? Essa “responsabilidade” que você carrega te atrapalha ou te ajuda de alguma forma?
Sempre realizei meu trabalho com muito amor e dedicação, na verdade, nunca fiz planejamento para alcançar o sucesso, as coisas foram acontecendo naturalmente. Já passei por muitas dificuldades no começo da carreira e momentos mais recentes, como qualquer outro artista.
Com toda experiência adquirida em anos de noite, posso afirmar que é mais difícil se manter visível nos tempos atuais, onde tudo é descartável e momentâneo. Ter conquistado um espaço com um nome sólido abre muitas portas, mas aumenta a expectativa e cobrança do público. Nunca tive medo de arriscar, já tive vários projetos que não vingaram, mas foram eles que me deram base e experiência para obter sucesso em outros momentos.
Foto: divulgação
HM – Como você enxerga o atual momento da cena eletrônica no Brasil? Antes de atravessarmos este complexo momento, víamos muitas novas gravadoras surgindo, DJs e produtores ingressando neste universo, festas pipocando em diferentes lugares do país, fora mesmo dos principais eixos, parecia estar mais em alta do que nunca. Independente do cenário atual, você também vê dessa forma? A música eletrônica está mais pluralizada?
Comecei em uma época onde as pessoas nem conheciam a palavra DJ. Trabalhar na noite era algo considerado marginal, tocar músicas desconhecidas era um tiro na cabeça e mesmo diante de tantas dificuldades, segui lutando contra todas as regras impostas pelo mercado fonográfico. Era por paixão mesmo. Precisei, por muitos anos, ter emprego paralelo para poder pagar as contas e manter minha independência, já que meus pais não me apoiaram e nem compreendiam meu talento.
Quando ouço a nova geração reclamando de futilidades, sempre lembro dos obstáculos que enfrentei no início de carreira. Numa época sem internet, sem informação, com nenhuma estrutura nas cabines de som, sem agências para dar um suporte, cachês que mal pagavam o transporte e muita dificuldade para pesquisar e adquirir o repertório. Era como nadar contra a maré, apenas a vontade e o amor à arte.
Acho fantástico o momento atual onde qualquer artista pode fazer acontecer, seja nas redes sociais, plataformas de música ou selos independentes, sem precisar depender da aprovação de grandes empresas do mercado. Hoje em dia, temos muitas opções de trabalho, festas, clubs, bares, desfiles de moda e eventos espalhados pelo Brasil, além das inúmeras agências que facilitam e impulsionam a carreira de qualquer dj iniciante.
HM – Seu fim de ano foi bastante intenso, muitas gigs em diversos lugares do Brasil, incluindo o icônico Universo Paralello. Como é pra você essa rotina de viagens? Dá para aproveitar o tempo voando por aí de alguma forma? Você busca manter uma rotina de trabalho definida?
Sempre comento que a logística de trabalho é a parte mais chata da minha profissão, às vezes são horas de vôo, estrada, aeroporto e noites mal dormidas. Porém, tudo é recompensado quando entro em uma cabine de som e sinto a energia do público. Meu trabalho possibilitou conhecer muitas cidades mundo afora, fui para lugares que talvez nunca conhecesse se estivesse em outra profissão. Sempre que possível, quando estou em uma cidade pela primeira vez, procuro reservar um tempo para aproveitar e fazer turismo, me interesso muito por culturas diferentes.
>> Confira depoimentos de Mau Mau e outros artistas no Universo Paralello 2019/2020 <<
HM – Além de DJ Mau Mau, também podemos vê-lo em ação através do 2Attack com a Paula Chalup. Musicalmente, qual a diferença do seu perfil como Mau Mau comparado a este projeto?
No projeto 2Attack com a amiga Paula Chalup, o foco é produzir músicas com mais vocais e harmonias, predominando construções mais próximas à house music. Esse caminho também é visível quando nos apresentamos ao vivo fazendo B2B. Além do 2Attack, também faço parte do projeto “B3B” com os amigos Anderson Noise e Renato Cohen, onde as variantes de Techno predominam em long sets.
Anderson Noise, DJ Mau Mau e Renato Cohen – Foto: Rafael Duarte
Ainda tenho um terceiro projeto mais recente, o coletivo Gang, com os amigos Roque Castro, Glaucia Mais Mais, Paula Chalup e Alexandre DaRobot, onde nos concentramos em festas independentes e culturais, valorizando a diversidade.
Na área de produtor musical também tenho projeto solo e algumas parcerias. Nos últimos anos, fiz músicas com os artistas Franco Junior, Nytron, Softmal, Rodrigo Pitta e Dr J.
HM – Quais os seus maiores sonhos que já foram alcançados e quais metas e objetivos você ainda tem para sua carreira?
Ter minhas produções musicais tocadas e remixadas por artistas internacionais que admiro, como por exemplo Derrick May, Laurent Garnier, Stacey Pullen, Carl Cox, Carl Craig, Mr C, Frank Miller e outros foi sonho realizado. A oportunidade de levar meu trabalho em importantes festivais e clubs pelo mundo também.
Ter conhecido e trabalhado com nomes importantes da MPB como Roberto Carlos, Rita Lee, Kiko Zambianchi, Marina Lima, Edson Cordeiro, Adriana Calcanhoto, Daniela Mercury, Edgard Scandurra, Jota Quest entre outros foi muito gratificante.
HM – No que você tem trabalhado e se dedicado mais ultimamente? Há alguma novidade que pode ser compartilhada com o público?
Meu foco, atualmente, é na produção musical, lançar minhas músicas por selos que tenho afinidade e também crescer com o coletivo Gang. Tenho trabalhado muito em estúdio fazendo remixes e canções próprias, algumas já estão encaminhadas para alguns selos e devem ser lançadas assim que essa crise se acalmar.
Posso adiantar dois lançamentos, um remix que fiz para a música “Pequetita” do artista Ben Men, que será lançada pelo selo francês BTrax, e um remix do 2Attack para a música “Is About Tech” dos amigos Nytron & Inner Rebels.
Coletivo Gang – Foto: divulgação
HM – Para finalizar: qual a mensagem que você deixa às pessoas diante de tudo o que enfrentamos? Seja para os fãs, artistas, companheiros de trabalho, o que este momento significa pra você? Obrigado pelo seu tempo!
O momento atual é cheio de incerteza e insegurança, tudo muito surreal. Não sabemos quais serão as consequências e precisamos manter pensamento positivo. Espero ansioso pelo retorno da nossa cena, que possamos em breve nos encontrar nas pistas de dança, mais fortes e fortalecidos, para continuarmos a passar a mensagem de união que a pista proporciona, sem distinção, onde todos são iguais e bem vindos, posicionamento muito importante no momento que estamos vivendo, repleto de divisões. Desejo que esse triste momento da história sirva para refletirmos e darmos mais atenção as coisas simples da vida, a humanidade precisa de mais compaixão e amor ao próximo.