A Síndrome de Burnout nos profissionais da música eletrônica: um problema recorrente

Por: Lucas Arnaud

Há alguns dias o Ollie, um dos dois DJs do famosíssimo duo Dada Life, anunciou que não sairá mais em tour pelo projeto. Promete, porém, focar no lado da produção musical em studio, não abandonando o trabalho pela dupla. Para quem não sabe, o Dada Life existe desde 2006, tendo sido um dos projetos de grande porte na música eletrônica internacional. O duo já tocou, por exemplo, em vários grandes eventos, inclusive no mainstage do Tomorrowland Bélgica (em 2016 e em 2014). Mas mesmo com a possibilidade de se apresentar nos melhores eventos do mundo e para uma legião de fãs, Ollie preferiu desistir desse lado da carreira. E é um fenômeno que se repete e que merece uma análise.

Primeiramente, vamos nos lembrar de alguns casos (relativamente) recentes do cenário mainstream. Exemplos rigorosamente iguais seriam os dos projetos Bassjackers e Blasterjaxx. Ambos têm o renome para tocar (como já tocaram) no mainstage da Tomorrow Bélgica, e mesmo assim um membro de cada um dos duos desistiu da vida de tours. Com a ex-dupla Dzeko e Torres, o ocorrido foi ainda mais sério, no qual Torres realmente deixou o projeto, que se tornou a carreira solo de Dzeko. 

No caso de DJs solo, o AVICII é um exemplo icônico. Para os poucos que não sabem, o artista desistiu (pelo menos até o momento) dos tours pelo mundo para se dedicar apenas à produção musical. O que faz DJs de tanto sucesso tomarem decisões que, para nós, meros mortais, parecem absurdas? Para nos ajudar a entender (parte) do problema, nada melhor que alguém que esteve diretamente envolvido nos explique:

 

Eu tinha vontade de desistir da música, mas eu conseguia enxergar que na realidade não era eu que queria parar de fazer música, e sim essa energia negativa tentando assumir o controle. A música sempre foi minha paixão. Nunca quis fazer nada no mundo, apenas música. A única coisa que me impediu era o fato de que eu simplesmente não conseguia fazê-lo. Não consegui acessar minha energia de criatividade e foi o que me impediu.”

 
A fala acima foi retirada de uma entrevista à revista Billboard de 2015. Consegue advinhar quem disse isso? Ninguém menos que Nicky Romero, um dos DJs de maior destaque na cena internacional. Contextualizando: do fim de 2014 para 2015, Nicky viu-se tendo crises de ansiedade que o impediam de progredir em sua carreira. Como ele próprio afirma, a sensação de incapacidade e de ansiedade tinham caráter egodistônico (ou seja, ele sabia que não eram pensamentos naturais, dele próprio), mas ainda conseguiam dominar seu estado de espírito. Quando perguntado se conhecia outro caso parecido, Nicky responde: “Um dos membros do Blasterjaxx estava sofrendo de depressão, então eu liguei para ele e conversei por horas. Eu disse que, se ele precisasse do meu apoio, ficaria feliz em falar sobre isso.”. Nicky nos fala, portanto, de um exemplo já citado neste artigo.

Mas o que seria tão grave e danoso a DJs como Nicky, que os levaram a ter esse tipo de pensamento? Ele mesmo nos responde: “A vida em tour é quase um ataque ao próprio corpo. Não é saudável em geral – o jetlag, a falta de sono, o horário de alimentação. Basicamente, você pode viver com isso se você deixar passar, ao invés de se preocupar com coisas ou tomar o estresse pessoalmente. O medo de entrar em crise e não poder progredir com o projeto é a pior parte do trabalho de DJ“.

Nota-se, portanto, que vários dos elementos da vida de um DJ contribuem para seu esgotamento mental e emocional. E esse acometimento tem um nome científico. É a “Síndrome do Burnout”, que é “um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freudenberger como “(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional“.

A fundação Mental Health da Inglaterra afirma que 1 a cada 4 profiossionais em tour vai sofrer com algum problema de saúde mental na vida. Para a revista Only The Beat , Laidback Luke, grande DJ holandês, admite: “já tive a síndrome do Burnout duas vezes na vida. Às vezes, a única coisa que eu queria durante as crises era gritar…“. O artigo “The psychological impact of being in the spotlight: the emotional struggle of celebrities” nos lista alguns fatores que contribuem para o esgotamento emocional de artistas como os DJs, a citar: Falta de privacidade, despersonalização (perda do sentido do “eu”), falta de desafios (sim, aquele problema de quem já atingiu o topo e não encontra mais desafios na vida) e exposição midiática exagerada.

É interessante notar que essa problemática se estende às equipes envolvidas nos tours dos DJs. Empresários, fotógrafos, agentes de booking, public relation, e qualquer outro profissional que viaje em tour intensivo com os artistas (e também qualquer um que trabalhe nesse meio, como funcionários e promoters de clubs) estão em risco para o desenvolvimento do Burnout. 

E o que chama a atenção: esse é um tema ainda pouquíssimo debatido entre os profissionais da música eletrônica. O artigo científico “Prevenção em Saúde mental” nos relata que podem haver sim planos efetivos em prevenção de problemas de saúde mental. A conscientização dos profissionais sobre os malefícios do estilo de vida pesado e da falta de descanso pode levá-los a conciliar o trabalho com medidas que diminuam o estresse, como maiores intervalos e maior tempo para sono. Ou, ao menos, pode permitir que reconheçam precocemente os sintomas do esgotamento mental e que possam procurar ajuda psicológica o quanto antes.

É inadmissível, portanto, que uma questão de tamanha prevalência (1 em cada 4 profissionais, lembra?) tenha relativamente tão pouca repercussão no meio da música eletrônica. A notícia de que Ollie abandonará os tours com Dada Life só nos confirma: precisamos de ações que lidem com a conscientização sobre saúde mental dentro das equipes dos profissionais envolvidos com música eletrônica. Enquanto isso não ocorrer, casos como de Ollie, que não é o primeiro (e nem será o último), estarão longe de deixar de existir.

Leitura complementar (em inglês) aqui.

 

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