Por que Calvin Harris é o DJ mais bem pago do mundo? Uma análise de sua carreira


Por: Lucas Arnaud

Desde 2012, a conceituadíssima revista Forbes libera a lista de DJs mais bem pagos do mundo, que funciona tanto como uma base de análise para os interessados no mercado da música, quanto como curiosidade para os fãs casuais de música eletrônica.

Indo direto ao ponto, a lista traz Calvin Harris como DJ mais bem pago do mundo, posto que ocupa já pela quinta vez consecutiva. E há muito o que se extrair disso, em se tratando da análise desse caso de sucesso.

A trajetória de Calvin Harris é permeada por nuâncias relativas não só ao mercado da música eletrônica, mas à indústria pop, englobando fatores como estratégia e posicionamento no cenário musical, além de versatilidade não só na estilística de produção musical, mas em toda a postura adotada em sua carreira. Dessa forma, conhecer e entender como Calvin chegou ao topo pode nos ensinar muitas lições sobre o apaixonante mundo dos DJs e produtores profissionais. E vamos lá!

Primeiramente, é importante conhecermos a origem humilde do artista. E você não leu errado! Adam Richard Willes nasceu em janeiro de 1984 na Escócia. Aos 17, Calvin trabalhou como funcionário de um supermercado em Londres, mas já estudava música. O livro biográfico “Calvin Harris: The $100 Million DJ (Calvin Harris: o DJ de 100 milhões de dólares)” nos revela um jovem Calvin “nerd, tímido e inseguro”, informação que, certamente, é chocante para muitas pessoas (como foi para mim!).

Quando Calvin se tornou garoto propaganda da grife de roupas Armani Exchange (já em 2014), não se perdeu tempo em comparar sua antiga aparência com a atual. Olha que interessante:

 
 
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*Foto do portal The Alternative Native: “O feio… ficou bonito (e rico, muuuito rico!)!”
 

Em meados de 2002, Calvin costumava postar suas tracks no MySpace (que era a rede social em alta na época, vale lembrar), tendo sido descoberto por Tommy Sunshine, produtor musical que era reponsável pela Xylophone Jones Records. Vale pontuar que Tommy, posteriormente, se tornaria um dos responsáveis por grandes gravadoras como a Ultra Records, tendo trabalhado com nomes como Katy Perry.

Há alguém melhor que o próprio Tommy Sunshine para nos falar sobre esses acontecimentos? Em 2016, Tommy deu uma entrevista à “Magnetic Mag”, que você pode conferir aqui.

No começo do podcast, Tommy confirma os dados contidos na biografia de Calvin. Disse ter conhecido um garoto com cabelo “de cuia”, franzino e tímido – um verdadeiro nerd. Segundo ele: “eu nunca imaginaria que aquele jovem, que trabalhava arrumando prateleiras de uma farmácia, se tornaria um produtor que faturaria milhões e milhões (de dólares) por anos consecutivos”.

Tommy também dá uma pincelada sobre o cenário mainstream da época, explicando o que o levou a contratar Calvin: “os grandes empresários do mainstream ainda não tinham olhos para a dance music propriamente dita, priorizando investimentos em outros estilos”. Ele continua: “e aí ele (Calvin) me aparece com tracks num estilo meio que “bizarro”, talvez inspirado na dance music dos anos 80. Acabava sendo um estilo bem indie de house music. E eu pensei: isso pode dar certo!”

Além disso, Tommy nos conta uma curiosidade: “uma das primeiras tracks que contratei de Calvin se chamava “Rockband”. A música falava sobre um jovem aspirante a artista que morava em uma pequena cidade na Escócia, sonhando com o dia em que sairia de lá e se tornaria um astro.” Tommy brinca com a irônica profecia na letra. Para ele, chega a ser um caso hilário.

Tommy diz que Calvin “preveu” o futuro também em sua track “Vegas”, pela clara referência à cidade de Las Vegas no título. Ele volta a lembrar que, à época, a dance music não era tão forte no mainstream, e que Las Vegas ainda não tinha um mercado favorável para a música eletrônica como tem hoje. E o mais interessante: posteriormente, Las Vegas se tornou um dos locais chaves na carreira de Calvin, e já entenderemos o por quê.

Em síntese, Tommy Sunshine foi o nome da pessoa que efetivamente lançou Calvin Harris no mercado. E, se você leu tudo com atenção até aqui, já deve ter entendido como funcionava (a grosso modo) esse cenário na época. Para ficar claro: em um contexto na qual a dance music ainda não era tão aclamada no mainstream, Tommy contrata um produtor de estilo bem diferente daquilo que estava em voga. E já peço perdão pelo chiché: “isso poderia dar muito certo, mas também poderia dar muito errado!”.

Também através do MySpace (e já morando em Londres), Calvin conheceu Mark Gillespie, um relativamente experiente caça talentos britânico que acabou se tornando seu empresário. Ele foi convencido pelo fato de Calvin ter fechado um acordo com a grande label EMI music.

É interessante perceber que, nesse início de carreira (e mesmo produzindo instrumentais de dance music) o foco de Calvin ainda era o vocal. Exatamente: o nome “Calvin Harris” era divulgado como sendo o de um vocalista, não havendo a roupagem de DJ que estamos acostumados. E isso fica claro no video abaixo, no qual o live de sua música autoral mostra uma apresentação com dinâmica de banda musical.

 

 
Nesse momento, alguém pode indagar: “e Calvin Harris cantava? Eu nem sabia!”. Não só cantava, como canta! Muitos ouvintes casuais de música eletrônica (parcela importante de seu público) ainda não sabem que Calvin performa o vocal de várias de suas tracks. Sabe aquela voz masculina rouca e “enjoada” dos hits “I Feel So Close” ou “Summer”? É a voz do próprio Calvin Harris!

Voz esta que surge automaticamente na sua cabeça ao ler o marcante verso:

“when I met you in the Summer…” ou “I feel so close to you right now”…

Concorda comigo?

Calvin se pronunciou sobre isso em uma recente entrevista ao veículo Beats 1: “Estou treinando para poder cantar com maior frequência. Há vários DJs/produtores no mercado, e eu penso: `o que tenho a oferecer que eles não ofereçam? O que posso fazer que eles não façam?`”. E esse é um dos fatores que nos ajudam a compreender o caráter multifacetado do talento de Calvin.

Após dois álbums e algunas tours com posicionamento artístico de vocalista (mas, ainda assim, produzindo suas próprias músicas), Calvin resolveu priorizar suas verdadeiras paixões: o songwriting e a produção musical. Surgia, então, a busca por um modo de apresentar seu projeto com enfoque nesses dois elementos, deixando de lado a roupagem de “vocalista de banda”. Simuntaneamente a essa fase de experimentação, a música eletrônica começou a se tornar relevante no cenário mainstream internacional. E claro, Calvin manteve-se atento ao modo como os outros produtores estavam se adaptando a essa realidade que surgia.

“Ele descobriu que se sentia mais confortável atrás da mesa de mixagem do que em um palco tradicional”, relata Gillespie em entrevista à revista Forbes em 2013, referindo-se ao fato de Calvin ter mudado e se tornado, agora sim, um DJ. Ele completa: “Calvin rendeu-se ao que sentia ser uma evolução natural no momento perfeito”.

E já você vai descobrir por que o momento era, realmente, perfeito.

Com o sucesso de seu primeiro álbum, “I Created Disco” (o qual vendeu cerca de 100.000 cópias no ano de seu lançamento, 2007), Calvin emplacou hits com características não tão comuns nas rádios pop da época. Exemplo disso seria a presença de bpm (batimentos por minuto) mais acelerado e de elementos eletrônicos, fatores que constam em tracks como “The Girls” e a já citada “Vegas”. Nota-se, portanto (e como já enunciado), que a música eletrônica estava cada vez mais popular entre o público casual, processo do qual Calvin Harris foi um grande fator (ao emplacar hits desse estilo em ascensão), e também foi beneficiado com a expansão da febre mundial que se formava pela dance music.

Nessa época, começaram a estourar os grandes hits mainstream de música eletrônica como a conhecemos hoje. Para termos noção, foi a essa altura (meados de 2009) que David Guetta, nosso conhecido produtor de French House, juntou forças com o famoso grupo americano de hip-hop e R&B chamado Black Eyed Peas para lançar a música “I Gotta a Feeling”. A faixa se tornou a canção do ano no World Music Awards e nos confirmou de uma vez por todas: a música eletrônica chegou ao mainstream para ficar!

Portanto, o processo de popularização da música eletrônica ocorreu pela ação de muitos produtores além de Calvin, sendo Guetta um dos vários importantes exemplos. Tudo isso repercutiu na formação de um cenário fértil para investimentos e em um mercado cada vez mais lucrativo. E Calvin Harris, com o estilo que já vinha produzindo, tinha tudo para estar na crista dessa onda. Uma observação: foi justamente nesse contexto (por volta dos anos 2009-2010) em que se começou a utilizar internacionalmente o termo EDM – electronic dance music – para designar a música eletrônica popular. É a trajetória do artista se relacionando com as origens de seu próprio estilo.

Quando questionado por um reporter da Forbes, em 2013, sobre como se tornou um artista de tanto sucesso, Calvin Harris respondeu: “o crescimento da dance music nos últimos anos foi astronômico, e eu terminei por estar no local certo, na hora certa”. Ainda que tenha sido humilde em sua fala, pode-se concluir, baseado no que foi exposto em parágrafos passados, que há verdade no que Calvin disse. É evidente, entretanto, que apenas isso não justifica o sucesso de sua carreira.

Voltando à época do “início da EDM”, em 2009, Calvin continuava ganhando projeção no mercado. Lançou, nesse ano, seu segundo álbum – de título “Ready for the Weekend”. Nele havia o single “I`m not alone”, que se tornou o primeiro de Calvin a atingir o número um nos top singles da Inglaterra. As faixas “Flashback” e “You Used to Hold Me” também estavam no álbum, e alcançaram as posições 18 e 27, respectivamente.

Seu empresário, Gillespie, conta à revista Forbes que se utilizou de algumas estratégias para viabilizar a agenda de shows nessa época. Optou por priorizar apresentações em clubs e em festivais, que, por oferecerem toda uma estrutura pronta, geravam economia para sua equipe. E é por isso que Calvin Harris não tinha uma tour própria. Viajou, por exemplo, como atração “suporte” em turnês de grandes artistas como Rihanna, no Loud Tour em 2011 – com quem ele lançou tracks.

Isso nos ajuda a entender a relação de Las Vegas com a carreira de Calvin, cujo empresário valorizou estrategicamente o baixo custo (para o artista) dos clubs da região. Tudo isso culminou na parceria com o grupo Hakkasan em 2015, que firmou sua residência nos clubs Hakkasan Night Club, Wet Republic e Omnia Nightclub. Las Vegas continua sendo uma localidade fundamental nos ganhos do Calvin Harris, e pode ter certeza: seu contrato com o Hakkasan contribui (e muito) para o saldo monetário que o colocou em primeiro na lista da Forbes – além dos acordos radiofônicos em rádios e charts.

Voltando à timeline de Calvin, chegamos a junho de 2011, com o lançamento da track “Bounce”, que foi a primeira de seu terceiro álbum. Logo após, lançou “I Feel So Close”, que foi a estreia do artista na lista top 100 dos Estados Unidos, chegando à décima segunda posição. Foi, talvez, um de seus singles mais característicos. Nessa época, Calvin consolidou-se como grande artista internacional, colaborando com nomes de peso como Ellie Gouding, Ne-Yo e Rihanna. É importante se atentar ao fato de que existe muito dinheiro investido na indústria fonográfica pop, porém mesmo isso não garante o sucesso de uma faixa nas rádios e nos charts. Ela precisa ser boa e cativar o público.

Em setembro de 2011, foi lançada a faixa “We found love”, em parceria com Rihanna. A track atingiu o topo das paradas em 27 países, tendo entrado na posição 24 da lista top 100 músicas de todos os tempos da revista Billboard.

Nos anos que se seguiam, tornava-se evidente que as estratégias e o próprio estilo adotados por Calvin Harris o colocavam dentre os artistas mais populares do mundo.  Por exemplo: Calvin misturava elementos da música eletrônica com características do estilo pop. Assim, conseguia desenvolver uma sonoridade acessivel, capaz de atrair milhares e milhares de fãs para os clubs. É diferente, por exemplo, do que faz Deadmau5, que foca sua produção e sua apresentação em estilos mais “pesados”, como menos vocais e menos atrativos para o público casual (que é o maior público).

Além da produção de faixas com as características certas para se tornarem hits (exemplos: influência pop, vocais interessantes, melodias grudentas), Calvin também utiliza a estratégia “all-around”.

Nesse contexto, uma estratégia “all-around” significa que Calvin não se limitava a um só estilo de música eletrônica, podendo lançar faixas de variadas vertentes. Isso ficou claro, por exemplo, quando se aliou a Ummet Ozcan para produzir track “Overdrive”, que era totalmente no estilo big room. E faz sentido. Quando foi lançada, em 2014, o bigroom era uma das vertentes de EDM mais populares. Outro icônico exemplo seria o single de 2015, chamado “How Deep Is Your Love”. O próprio título é sugestivo, visto que, dessa vez, Calvin produziu a faixa pop num estilo mais próximo ao Future House, o subgênero que estava popularíssimo na época.

E basicamente chegamos ao presente momento. Dessa forma, como responder: “por que Calvin Harris é o DJ mais bem pago do mundo”?

Torna-se evidente que foram necessários vários e vários fatores bem distintos, atuando em conjunto e no momento certo, para Calvin ter alcançado o sucesso que possui. Será que ele estava “no lugar certo, na hora certa?” Não há duvidas quanto a isso! Mas há algo a ser considerado: ele também era a pessoa certa, produzindo as músicas certas, fazendo as parcerias certas e assessorado pelos empresários certos, com dinheiro suficiente para elevar as músicas de Calvin ao posto dos charts após tocarem insustentemente em rádios.

Além de ter se projetado com o estilo musical ideal para o momento, Calvin possui um talento multifacetado (de vocalista, DJ, songwriter e até de arrumador de pratelerias de supermercados). Soma-se a isso a versatilidade de sua expertise musical, que o permitiu renovar e adaptar seu estilo baseado nas características sonoras que tivessem melhor receptividade do público.

Por fim, foi fundamental o modo de atuação de seu empresário, que conseguiu visualizar um nicho mercadológico em crescimento no qual Calvin se encaixaria com perfeição.

Nos sobra o questionamento: quantos futuros grandes artistas estão por aí, trabalhando em empregos ordinários, apenas a espera de serem descobertos para revolucionar todo um mercado musical? Mais interessante do que meramente especular, é cair na real de que algo improvável assim já aconteceu. E nem faz tanto tempo.

O nome dessa história? Calvin Harris!

 
 
 

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