Nova era na música eletrônica? Entenda como a reformulação de gêneros do Beatport afeta toda a cena

Por Danilo Morttagua
Edição e revisão Alexandre Albini

Desde que foi criado em 2004, o Beatport permitiu às gravadoras que comercializam músicas em seu site escolherem livremente os gêneros dessas faixas dentro das vertentes disponíveis na loja online. Salvo nomenclaturas colocadas totalmente fora de critério pelos selos, o staff responsável não se intrometia ou modificava as classificações.

Subgêneros estão em constante transformação, por isso uma definição clara de cada um auxilia a cena eletrônica em geral, pois evita confusões com o grande público e ajuda a formar opiniões, principalmente para os novos artistas. Na minha concepção como DJ, produtor musical e A&R de gravadoras, acredito que quando essas mutações surgem, devem ser separadas em novas vertentes. Porém o Beatport — como a principal loja online para DJs do mundo — falhou nesse quesito até o presente momento, se abstendo de possibilitar novas classificações para acolher tais mudanças, prejudicando assim artistas e cenas de vários estilos.

Quando e como o problema começou?

No início, o fato de o Beatport se abster da definição de vertentes não gerou grandes problemas, pois as gravadoras sempre tentaram ser precisas nesse quesito, para que suas vendas atingissem o público desejado. Porém, a partir de meados de 2006–2008, novas fusões da música eletrônica começaram a surgir em massa, e as gravadoras foram renomeando essas faixas conforme o seu próprio critério, o que gerou distorções consideráveis nos charts e mudanças profundas na concepção do público sobre os estilos.

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Nessa época, o progressive house — subgênero do house que ainda tem como ícones artistas como Hernan Cattaneo, Sasha, John Digweed, Nick Warren, entre outros — era mais “cool”, e passou a sofrer com a invasão de outras vertentes, com Steve Angello, Axwell, Laidback Luke, Thomas Gold, David Tort e Avicii fundindo melodias progressivas com batidas fortes de house, tribal e trance. Essa nova sonoridade já era chamada, entre DJs, como big room, porém, por não ter um gênero específico para lançar no Beatport, gravadoras e artistas começaram a defini-la como progressive house, pois era o estilo mais badalado do momento.

Com o passar do tempo, acabou por sofrer ainda mais fusões, com a inclusão de timbragens de electro house e dutch house, surgindo então o movimento EDM com sua popularidade máxima atingindo o ápice entre 2011–2015. Esse novo estilo ficou cada vez mais em alta, e começou a tirar o clássico progressive house dos charts do Beatport. Com isso, muitos artistas do antigo progressive viram-se sem mercado, porque tais sonoridades não eram mais absorvidas pelo novo público, o que gerou uma migração em massa de artistas para o techno, deep house e tech house, em busca de um público alvo conceitual/underground do passado.

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Em meados de 2012–2013, tivemos a popularização do deep house, que passou a ser a “crista da onda sonora” e começou a sofrer a migração de outras vertentes. A seção do estilo chegou ao ponto de ter em seu top 100 faixas de tech house, techno, french house, future house e afins, perdendo toda a sua essência clássica e profunda. O catálogo de nu disco também foi inundado pelo “deep pom pom”, que não conseguia mais competir na seção de deep house e achou uma nova casa na página de indie dance/nu disco. O techno e o tech house sofreram fusões semelhantes, porém com a invasão do progressive house clássico em ambas as variações, o que para a nova geração foi chamado de techno melódico.

E, por fim, em meados de 2014 o house foi dominado pelas novas sonoridades do future house e a electronica por faixas de deep house e progressive house clássico. Ou seja, em 2015 o Beatport estava uma completa zorra, com praticamente todos os seus gêneros sem nenhuma característica definida, principalmente devido à liberdade que se deu às gravadoras de escolherem a classificação que mais lhe convinha, o que tornava o trabalho de pesquisa dos DJs veteranos uma verdadeira odisseia. Para nomes da nova geração, a confusão sobre vertentes foi total, sendo comum ver artistas que tocam e produzem nos estilos de Alesso, Hardwell e Steve Angello se autointitulando DJs de progressive house, entre outras nomenclaturas totalmente fora de contexto com o estilo musical.

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O que mudou?

O Beatport finalmente resolveu dar um fim nisso e passou a se meter nos gêneros oferecidos na loja online. A partir de 19 de setembro o staff do site disponibilizou três novas classificações: future house, dance e big room; e também não vai deixar mais os lançamentos serem categorizados 100% pelas gravadoras. Todas as músicas que forem ao ar irão passar agora por uma equipe especializada que as reposicionará na vertente correta caso seja necessário. Além disso, mais de 500 mil faixas foram renomeadas e gêneros como deep house, house e progressive house foram totalmente reformulados, voltando às suas raízes originais.

A mudança mais profunda com certeza foi em progressive house. Todos os sons de EDM de artistas como Hardwell, Axwell, Alesso, Nicky Romero e afins foram migrados para a nova seção de big room. Assim, o progressive house volta a ser uma divisão conceitual, com seu novo top 100 com faixas de artistas como Guy J, Frankey & Sandrino, Moonwalk, Jeremy Olander, Einmusik, Yotto, Lane 8, Adriatique, H.O.S.H, D-nox & Beckers, entre outros.

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Outra a sofrer grande modificação foi indie dance/nu disco, tão amada pelos brasileiros, porém não muito popular internacionalmente. Quase todas as faixas de gravadoras como Bunny Tiger, LouLou Records, Enormous Tunes e Prison Entertainement foram retiradas dessa seção. As faixas mais secas e percussivas passaram para house e tech house. As mais comerciais, principalmente os bootlegs de músicas famosas do passado, foram para a seção dance.

A de electronica se fundiu com chill out e agora recebe apenas trilhas muito lentas ou com as batidas quebradas do downtempo, com as faixas voltadas para pista sendo redirecionadas para tech house, deep house, techno e progressive house. Techno e tech house tiveram várias de suas músicas melódicas de selos como Sudbeat, Innervisions, Suara e Anjunadeep migradas para progressive house.

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Já as sonoridades mais explosivas da EDM vão ser encontradas agora em big room, que irá dividir as atenções dos grandes artistas e selos do segmento com a de electro house. O future house, outra novidade, se tornou o espaço de artistas como Don Diablo, Oliver Heldens, Antonio Giacca, EDX e afins, recebendo as novas fusões de house music pós-modernas, como o próprio future house, o bass house e o nosso brazilian bass. E por fim, dance passa a receber as faixas com apelo radiofônico, com vocais comerciais e covers de músicas famosas.

Conclusão  

Ou seja, com essas modificações, o Beatport facilitou muito a vida dos DJs, que agora vão saber exatamente onde procurar cada estilo de música. Artistas de sonoridades mais conceituais irão focar suas pesquisas nas seções de deep house, progressive house, tech house e techno, enquanto os de sonoridades mais comerciais encontrarão suas faixas pretendidas em dance, future house e big room.

Acredito, com isso, que selos e artistas de uma cultura mais independente/ underground terão espaço em seus gêneros clássicos reabertos novamente. Algo que pode proporcionar, em algum tempo, que jovens produtores e DJs tenham uma concepção sonora sobre os gêneros mais próxima dos artistas da antiga geração — o que nos faz lembrar que apesar de estarmos na era do streaming digital, os verdadeiros formadores de opinião das cenas locais continuam sendo os DJs, com o Beatport seguindo como maior e mais influente portal web perante a comunidade disk jockey mundial.

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